Batata Semente-Análise sobre a situação atual e perspectivas da batata semente no Brasil

País precisa de cultivares adaptadas aos nossos ecossistemas


 


Élcio Hirano da Embrapa,


elcio.hirano@embrapa.br


 


 Iniciei minha carreira de pesquisador em 1975 na Embrapa Clima Temperado, em Pelotas (RS). Depois em Canoinhas, desde 1976, na Embrapa Transferência de Tecnologia, antigo Centro de Treinamento e Multiplicação de Batata Semente do Convênio MAPA e GTZ Alemanha. Naquela época, o país importava quase 200 mil caixas anuais de batata semente da Europa, mas as ações conjuntas do Ministério da Agricultura, Secretarias da Agricultura de vários Estados, da Embrapa, da ANABA e Cooperativa Agrícola de Cotia, principalmente nas áreas de legislação, prestação de serviços, adaptação de tecnologias e ações de ordenamento do setor, fi zeram com que os produtores iniciassem a produção de batata semente nacional. Como resultado começou a redução da dependência pela importação de sementes, hoje restrito em cinco mil caixas, fato que praticamente deu independência brasileira na produção da batata semente. Esta evolução na produção foi devido à transferência e adaptação de tecnologias como o uso de biotecnologia na produção de minitubérculos, testes de vírus em laboratório, uso de irrigação, mecanização da lavoura etc, que foram facilmente adaptáveis nas nossas condições. Neste período, vários outros fatos foram acontecendo na cadeia da batata, dos quais relaciono alguns: abertura de blocos econômicos (Mercosul) em 1984 que foi mais “poeira que fato real”, com o prejuízo que se importou doenças como Fusarium eumartii, Spongospora subterranea e Vírus da necrose no tubérculo Yntn; a lei de proteção de cultivares em 1997 que na minha análise está iniciando agora o uso dos direitos pela cultivar protegida, uma vez que o ciclo de vida das cultivares de batata são de uma década; depois a nova lei de sementes em 2003 e consequentemente a saída do Estado na produção e certificação da qualidade da semente, fato que atualmente está causando desconforto para os produtores tradicionais de batata semente; as novas regras de qualidade padronizadas com normas internacionais (ISO) que os produtores, certificadores, responsáveis técnicos, laboratórios e outros atores terão que se adequar; acrescento ainda a maior facilidade do comércio internacional; a mudança do polo produtor para o Cerrado e sob irrigação e o início da industrialização de batata pré-frita super gelada. Além de tudo isto, a nova lei 10.711, seu decreto 5.153 e diversas instruções normativas, especificamente, não têm uma norma técnica para batata semente ainda aprovada pelo CSMMAPA. Assim sendo, com a retirada dos vários órgãos oficiais do setor, além de alguns produtores que não sabem o que fazer, outros estão aproveitando o “vazio” para vender e transportar batata semente de baixa qualidade sob o rótulo de batata consumo. Tudo isto faz com que os produtores de batata semente se sintam no momento de indefinição, pois estamos passando por um período de transição do estado provedor e controlador para uma economia de mercado e de auto-regulamentação. Nestes anos de mudança, os produtores também tiveram que se adaptar. Houve uma grande evasão de produtores na cultura da batata que foram obrigados a se “verticalizarem” e mudar as áreas para o Cerrado, onde a oferta de terras novas era abundante em relação ao Sul, onde as aplicações das leis de proteção ambiental já haviam sido iniciadas pelos órgãos governamentais. Com isto, o setor da batata semente começou a deixar de ser independente de outros setores da cadeia e se tornou parte do processo verticalizado, que algumas vezes se estendeu até a industrialização, isto é, produtores de batata consumo iniciaram a produção de sementes e, por outro lado, os produtores tradicionais de batata semente, por falta de mercado, começaram a plantar consumo. Mas em minha opinião, a consequência para o consumidor final foi favorável, pois atualmente podemos comprar batatas de qualidade melhor, leiam-se tubérculos mais uniformes, lavados e de pele mais lisa e brilhante, disponível todos os dias do ano, a preços médios inferiores no varejo. A oferta de batata chips e palitos fritos para venda em lanchonetes, restaurantes e nos supermercados aumentou e o preço diminuiu. Não podemos culpar o setor pela diminuição do consumo per capita, pois isto ocorreu a nível mundial. A batata é fonte de carboidrato como o arroz e o trigo, que também diminuíram em decorrência do aumento do consumo de alimentos protéicos (lácteos e carnes) além de frutas e hortaliças. No varejo a batata consumo ainda tem o preço muito alto no Brasil, se comparado com outros países europeus e norte americanos. Se quisermos um aumento do consumo da batata, principalmente pela emergente população das classes C e D que hoje é superior a 50% da população brasileira, os preços deveriam ser menores. Neste ponto, o setor produtivo tem um “dever de casa” a cumprir com maior produtividade e qualidade específica para cada tipo de prato que o tubérculos se destina, no preparo da refeição caseira ou institucional, e com menos resíduos de agrotóxicos. Chamo isto de “desenvolvimento da tecnologia batateira adaptada à realidade do ecossistema brasileiro”. Para atingir este objetivo, há necessidade de realizar pesquisas na cultura de batata no país, que deveria ser feita por todos os atores da cadeia produtiva, desde o setor de pesquisa e transferência de tecnologia (oficial ou privado) na oferta de cultivares mais adaptadas, desenvolver novas estratégias de controle de doenças e pragas, melhorar a nutrição de plantas e outros temas agronômicos, até o comércio e distribuição, com melhor classificação, fracionamento, embalagens etc. Só o produtor “não dá conta” de fazer tudo isto sozinho, como ocorreu até o presente. O desenvolvimento e inovação da tecnologia aconteceram sempre por adaptação de tecnologia existente em países mais desenvolvidos e não por pesquisas de base científica feita por órgão de pesquisa públicas ou privadas. Não devemos esquecer que o estoque de terras novas para batata um dia finalizarão e que as doenças principalmente as de solo irão infestar terras já cultivadas. Por outro lado, aumentará cada vez mais a fiscalização dos consumidores por tubérculos com boa qualidade cosmética e com menores teores de resíduos de defensivos, além de que a fiscalização das lavouras por órgãos ambientais será maior. Este é um tema muito amplo, mas eu como pesquisador envolvido no melhoramento genético considero que o assunto das cultivares é de fundamental importância. Cito o exemplo da cultura da soja no Brasil que só conseguiu ser uma potência agrícola mundial no momento que iniciou a oferta de cultivares adaptadas as condições brasileiras, isto é, adaptadas aos solos mais ácidos, condições de crescimento vegetativo e florescimento sob foto período mais curto encontradas nas regiões de baixas latitudes, resistência a doenças e pragas, entre outros. Com estas cultivares de soja os produtores puderam avançar as fronteiras agrícolas para regiões de Cerrado e Hiléia Pré-Amazônica. No caso da batata, a Embrapa e seus parceiros nacionais ou internacionais deveriam obter cultivares mais adaptadas às condições tropicais e subtropicais, não somente os ecossistemas de altitude, mas de planície, com cultivares adaptadas a produzirem sob estresses de altas temperaturas, com menor exigências a termo-periodicidade, de maior resistência horizontal para doenças de solo e foliares, além de plantas com adaptabilidade a estresses de temporária e também de déficit total de umidade do solo, com possibilidade de desenvolvimento do sistema radicial sob altos teores de alumínio, para busca por água e nutrientes nos horizontes não corrigidos pela calagem. Sem esquecer a busca por outros fatores agronômicos desejáveis para o mercado brasileiro como pele lisa e brilhante e alto teor de matéria seca, aliás este é o tema que está se discutindo no momento em um projeto de pesquisa realizado entre a Embrapa e o CIP (Centro Internacional da Batata). Durante quase uma década os pesquisadores da Embrapa e seus parceiros trabalharam para montar a base genética, que são clones de batata que servirão como pais no cruzamento em busca de um clone promissor. Atualmente o projeto consegue trabalhar com 40 mil novos seedlings oriundos dos cruzamentos entre clones e cultivares, que são feitos nas Embrapas Clima Temperado e Hortaliças, no INIA e FNPPPT. As seleções são feitas no IAPAR e na Embrapa Transferência de Tecnologia em Canoinhas, após quatro anos as seleções feitas pelos pesquisadores, em média resultam em 6 clones promissores, e no final do ciclo de testes de ensaios regionais e VCU o resultado é de em uma nova cultivar, a cada 2 ou 3 anos. Internacionalmente este programa de melhoramento é ainda muito pequeno se comparado aos países norte americanos ou europeus ocidentais, onde se pode encontrar empresas de melhoramento de batata que manejam acima de 1 milhão de seedlings anuais. Sempre houve a preferência dos produtores por testarem cultivares estrangeiras em solo brasileiro, mas cabe lembrar que estas foram desenvolvidas para as condições de solo, pluviosidade e foto período daqueles países. O melhoramento para regiões tropicais apesar de estar sendo iniciado por alguns programas europeus como o francês, nunca será tão intenso, pois países como a Holanda e Alemanha são grandes exportadores de batata semente e não de cultivares. Assim as empresas de melhoramento não têm interesse econômico em licenciar cultivares em países em desenvolvimento onde as condições de cobrança por royalties ainda é difícil e defi ciente. Além de que uma cultivar desenvolvida naquelas condições de clima e solo, quando plantadas em regiões tropicais têm a tendência de diminuir o ciclo vegetativo e consequentemente obtem menor produtividade. Para compensar os produtores brasileiros são obrigados a colocar mais fertilizantes, maior número de pulverizações e mais irrigação, aumentando o custo de produção. Como o mercado de batata consumo sofre oscilações de preços o limiar do custo de produção que representa lucro ou prejuízo está a níveis de preços mais altos. O mesmo acontece com a possibilidade de industrialização para batata palito super gelada, várias indústrias de processamento estudaram a possibilidade de instalar fábrica no país, mas a conclusão delas foi que o alto custo de produção e a baixa produtividade das lavouras de batata inviabilizariam a produção, caso houvesse uma baixa da relação de cambio real-dólar. Com estas considerações meu depoimento é que o Brasil somente conseguirá atingir o patamar de tecnologia comparável aos países desenvolvidos na batata, quando tiver cultivares realmente adaptadas aos nossos ecossistemas, para isto toda cadeia deveria apoiar os programas de melhoramento genético existente, como o da Embrapa, Epagri, UFLA, Nascente e mesmo com empresas estrangeiras que venham estabelecer programas de melhoramento no país como se faz no milho, cujos híbridos plantados vendidos por empresas internacionais, não são de sementes importadas ou cultivares estrangeiras, são de materiais desenvolvidos em programa de melhoramento feitos no país. 


 


Élcio Hirano, autor deste artigo, é gerente do Escritório de Negócios Tecnológicos da Embrapa Transferência de Tecnologia em Canoinhas (SC) e membro da equipe do Projeto de Melhoramento Genético de Batata para Ecossistemas Tropicais e Subtropicais do Brasil, em parceria com a Embrapa Clima Temperado, Embrapa Hortaliças, Instituto Agronômico do Paraná, Federação Nacional dos Produtores de Batata Sementes (França) e Instituto Nacional de Investigações Agrícolas (Chile).

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