Podridão-mole e canela-preta da batata

Carlos Alberto Lopes Alice Maria Quezado-Duval Embrapa Hortaliças, C. Postal 218, CEP 70359-970 Brasília, DF e-mail: clopes@cnph.embrapa.br


A podridão-mole e a canela-preta da batata são doenças causadas pelas “erwínias apodrecedoras”, que compreendem duas espécies do gênero Erwinia. Estas bactérias se caracterizam por produzir enzimas que degradam substâncias componentes das paredes celulares das plantas, provocando colapso dos tecidos, o que dá aos tubérculos e ramas afetados um aspecto amolecido.


Várias espécies de plantas podem ser afetadas pelas “erwínias apodrecedoras”, sendo as hortaliças um grupo particularmente mais vulnerável devido ao alto teor de água em sua constituição. Embora com capacidade de provocar grandes perdas, principalmente em regiões tropicais, as erwínias não são consideradas patógenos “agressivos”, pois só invadem os tecidos da planta quando estas se tornam predispostos pela presença de fatores tais como ferimentos e umidade excessiva do ar ou do solo. Em lavouras de batata, as perdas são resultado da infecção das ramas (podridão-mole ou canela- preta), podendo comprometer toda a planta, ou da podridão de tubérculos em campo e/ou após a colheita (podridão-mole).


Bactéria causadora
As espécies de Erwinia que infectam batata são E. chrysanthemi (ECHR) e E. carotovora. Esta última apresenta duas subespécies normalmente associadas a podridões moles: E. carotovora subsp. carotovora (ECC) e E. carotovora subsp. atroseptica (ECA). A diferenciação destas três espécies/subespécies é baseada principalmente em testes bioquímicos.



Fig. 1. Falhas no campo provocadas pelo apodrecimento da batata-semente antes da emergência, provocadas por excesso de água.


 


É normal se encontrar pelo menos uma das espécies/subspécies de Erwinia em qualquer das regiões de cultivo de batata. De um modo geral, ECC tem a distribuição mais ampla, principalmente entre as hortaliças. ECA é mais restrita à batata, sendo facilmente encontrada em regiões de climas frios e ECHR é a prevalecente em situações onde são frequentes temperaturas elevadas, acima de 28 ºC.


Sintomas
ECA, ECC e ECHR provocam sintomas muito similares. A aparência dos sintomas e a rapidez com que a doença evolui depende muito mais da umidade do solo e do ar e principalmente, da temperatura, do que da própria espécie ou subespécie de Erwinia envolvida. Pelo fato de a batata ser cultivada na maioria dos casos em temperaturas amenas, ECA tem sido a mais frequentemente associada à doença. O apodrecimento da batata-semente antes da emergência resulta em falhas no campo, com redução de estande (Fig. 1).


Quando a batata-semente está infectada mas não apodrece totalmente, após a sua brotação, verifica-se um apodrecimento de cor escura nas ramas, da base para o topo da planta, que é o sintoma característico da canela-preta (Fig. 2). O escurecimento da rama é mais comum sob temperaturas mais baixas.



Fig. 2. Apodrecimento de cor escura na base da rama (canela preta) provocado por Erwinia sp.


 


Sintomas de apodrecimento, com ou sem escurecimento das ramas, resultam da infecção através de ferimentos na parte aérea da planta (Fig. 3). São frequentes quando a batata é cultivada sob alta temperatura e umidade relativa do ar. Observa-se também a murcha e às vezes, o amarelecimento das plantas (Fig. 4), o que pode ser confundido com a murcha-bacteriana provocada por Ralstonia solanacearum.


Para um diagnóstico correto da doença, a maneira mais fácil é observar o apodrecimento externo na base da planta, provocado por Erwinia spp., o que não acontece no caso da murcha-bacteriana.


O apodrecimento de tubérculos se inicia por ferimentos ou pelas lenticelas (Fig. 5). Daí, sob alta temperatura e alta umidade, avança rapidamente e toma todo o tubérculo (Fig. 6), com um escurecimento no limite entre os tecidos afetados e sadios da polpa. O tecido apodrecido é normalmente associado a um odor desagradável em decorrência da invasão de organismos secundários. Em solos excessivamente úmidos, os sintomas nos tubérculos infectados se agravam pela ação de outras bactérias anaeróbicas presentes no solo. Quando isto acontece, todo o tubérculo apodrece, às vezes permanecendo somente a sua casca.


Quando a infecção ocorre pelas lenticelas e as condições ambientais tornarem-se desfavoráveis após o início do apodrecimento, por uma redução da umidade do solo, por exemplo, as lesões podem secar, formando pontuações escuras e deprimidas na superfície do tubérculo (Fig. 7).


Epidemiologia
As espécies de Erwinia que infectam batata são considerados habitantes do solo, isto é, são capazes de nele sobreviver por longos períodos na ausência de plantas de batata. Nesta condição, no entanto, ocorre um decréscimo do seu nível populacional. Porém, se após a colheita permanecerem resíduos de tubérculos, plantas voluntárias (plantas de batata que brotam de tubérculos remanescentes) e plantas daninhas que abrigam a bactéria na rizosfera, a população no solo pode se manter relativamente alta. Podem sobreviver, ainda, em pequenos ferimentos cicatrizados, nos tecidos vasculares de tubérculos e sob a forma latente (sem provocar sintomas) nas lenticelas de batata-semente armazenadas sob temperaturas mais baixas (<25 °C); de fato, praticamente todo tubérculo produzido em campo carrega um grande número de células bacterianas nesta forma. Após o plantio, quando o solo é saturado por irrigação excessiva ou chuva, a infecção pela bactéria se inicia a partir da batata-semente, avançando até as ramas e provocando os sintomas de canela-preta.



Fig. 3. Apodrecimento provocado por Erwinia sp. na parte superior da rama, a partir de ferimento.


 


A manutenção e disseminação da bactéria se dá com eficiência através dos tubérculos- semente aparentemente sadios; quando as condições tornam-se favoráveis à sua entrada (presença de ferimentos, alta umidade) e multiplicação (alta temperatura e alta umidade), o processo infeccioso é desencadeado, resultando no aparecimento dos sintomas nos tubérculos. Durante a colheita, transporte ou armazenamento, pode ocorrer disseminação tubérculo-à-tubérculo. O apodrecimento na parte aérea da planta também ocorre a partir de ferimentos no caule ou folhas, provocados por ventos ou equipamentos agrícolas. A bactéria atinge os sítios de infecção através de aerossóis formados durante a irrigação por aspersão ou chuvas, ou levadas por insetos. Os fatores ambientais mais importantes na manifestação das podridões de Erwinia spp. são a temperatura e umidades altas. Esta última, principalmente no solo, nterfere na disponibilidade de oxigênio, levando a um aumento na produção de enzimas bacterianas que destroem os tecidos da planta.


Um filme de água livre sobre a superfície do tubérculo provê a condição de anaerobiose necessária ao início de infecção. Por isso, esta condição deve ser evitada tanto no armazém como no campo, ou seja, tubérculos nunca devem ser molhados.


Controle
O controle da canela-preta e da podridão- mole, seja da parte aérea ou de tubérculos, é muito difícil, tornando-se praticamente impossível após o estabelecimento da doença. A bactéria está presente no solo, em todas as zonas produtoras, estando, portanto, disponível para iniciar o processo infeccioso assim que as condições ambientais se tornarem favoráveis à doença. Como o patógeno fica protegido nos vasos, nas lenticelas ou nos ferimentos, o tratamento om desinfestantes líquidos normalmente  é pouco eficaz, não sendo disponível, no momento, nenhum bactericida que evite totalmente o apodrecimento.


Algum controle relacionado com o efeito químico sobre a população bacteriana localizada na superfície dos tubérculos pode ser conseguido com hipoclorito de sódio a 1% e o antibiótico kasugamicina (Hokko Kasumin). Entretanto, deve-se levar em conta que a imersão de batata-semente em solução de hipoclorito de sódio ou de antibiótico apresenta o risco de o princípio ativo ser inativado pelo efeito das partículas de argila do solo e como consequência, o tratamento ter um efeito contrário por prover o filme de água livre necessário à infecção e além disso, servir como disseminador do patógeno para outros tubérculos ou sítios não contaminados. Portanto, em caso de imersão de tubérculos em solução antibacteriana, é necessária a renovação da solução antes que ela se torne suja.


Como a batata-semente não é lavada, este tratamento fica difícil de ser realizado principalmente quando a produção é feita em solos argilosos, situação em que os tubérculos normalmente são colhidos muito sujos.



Fig. 4. Amarelecimento e murcha provocada por ataque de Erwinia sp. na base da planta.


 


A pulverização de antibióticos, fungicidas cúpricos e/ou ditiocarbamatos não tem demonstrado redução consistente da intensidade de canela-preta em plantas de batata que já estejam mostrando sintomas da doença. Entretanto, os antibióticos Agrimaicin (sulfato tribásico de cobre + oxitetraciclina) e Mycoshield (oxitetraciclina), além de alguns fungicidas cúpricos e caldas à base de cobre, detêm registro no Ministério da Agricultura e do Abastecimento para pulverização na parte aérea da planta visando um controle preventivo da doença.


Sem nenhuma dúvida, o controle eficiente da canela-preta e da podridão mole depende da adoção de uma série de medidas culturais que são imprescindíveis para reduzir a população do inóculo inicial e consequentemente, o aumento da doença no campo. A primeira medida a ser considerada é a utilização de batata-semente certificada para o plantio, que apesar da não garantia de estarem isentas totalmente do patógeno, foram inspecionadas em campo e após a colheita, atendendo aos padrões sanitários exigidos para a classe. Também é importante que a batata-semente seja manuseada com cuidado, de modo que não haja muita quebra de brotos, resultando em ferimentos que são portas de entrada para a bactéria.


Embora indicado por alguns pesquisadores como uma alternativa para redução do custo de produção em Santa Catarina, o corte da batata-semente favorece o rápido apodrecimento dos tubérculos, não sendo recomendada para a maioria das regiões do Brasil, especialmente aquelas onde ocorre alta temperatura associada a alta umidade do solo.


Em caso de solos com histórico de ocorrência de canela-preta/podridão-mole, é recomendada a rotação de culturas com espécies de plantas não hospedeiras (de preferência gramíneas), acompanhada de um eficiente controle de plantas daninhas e de plantas voluntárias de batata (soqueira).


Os solos para o plantio devem ser bem drenados e as irrigações feitas de maneira a nunca fornecer água em excesso para as plantas. Com isso, os tubérculos, além de apodrecerem menos, carregam menor população de células bacterianas na sua superfície, população esta que vai ser responsável por novas infecções de campo se os tubérculos forem usados para semente. Para evitar o apodrecimento antes da emergência, não se recomenda irrigação logo após o plantio, pois a batata-semente possui umidade armazenada capaz de manter a planta viva na primeira semana. É recomendável, entretanto, que o plantio não seja muito profundo e que solo para o plantio esteja ligeiramente úmido para permitir uma rápida emergência da planta.


Em cultivos irrigados, a qualidade da água é de fundamental importância para evitar a contaminação dos campos. Reservatórios contaminados com restos de culturas ou com água que escorre através de outras lavouras de batata ou de hortaliças são fontes de contaminação de campos. A adubação das plantas deve ser balanceada, evitando-se excesso de nitrogênio que torna as ramas quebradiças, favorecendo a infecção aérea. Sabe-se ainda que plantas bem nutridas com cálcio produzem tubérculos menos sujeitos às podridões.


Deve-se igualmente atentar para o controle de nematóides e insetos de solo, que provocam ferimentos em raízes, tubérculos, bem como de fungos da parte aérea, que podem predispor as ramas à entrada da bactéria. Na prática da amontoa, devese, igualmente, evitar ferimentos às plantas. A colheita antecipada também auxilia no controle da podridão-mole, pois reduz o tempo de exposição dos tubérculos a patógenos de solo. Entretanto, a colheita não deve ser feita antes da fixação da pele da batata, que ocorre de cinco a sete dias após a morte das ramas. Além de provocar um escurecimento na superfície dos tubérculos, reduzindo o valor comercial do produto, a pele solta é uma importante sítio para infecção por erwínias. Também para evitar a entrada de bectérias, é fundamental que sejam evitados ferimentos mecânicos dos tubérculos durante a colheita, transporte e armazenamento.


Antes de serem armazenados, os tubérculos devem sofrer o processo de “cura”, que consiste na promoção da cicatrização de eventuais ferimentos em suas superfícies. No Brasil, o armazenamento dos tubérculos por longos períodos só é efetuado quando os mesmos se destinam ao plantio. Apesar de reduzir a deterioração dos tubérculos, que normalmente ocorre durante o armazenamento, tanto pela perda de peso como por infecções advindas de patógenos presentes na superfície, o processo de “cura” sob condições controladas não é amplamente difundido no país. 



Fig. 5. Podridão mole em tubérculos, provocada por Erwinia sp., a partir de ferimento mecânico e de lenticelas.



Fig. 6. Apodrecimento generalizado de tubérculo, causado por Erwinia sp.


O armazém de batata-semente deve ser periodicamente monitorado para se eliminar focos de infecção. Tubérculos que se infectam no armazém podem ou não apodrecer, dependendo de presença de
ferimentos e de umidade. Tubérculos podres são eliminados antes do plantio, mas tubérculos infectados de forma latente servirão como fonte de inóculo inicial quando plantados.


Tubérculos colhidos em tempo seco carregam menor população de Erwinia spp. em forma latente. Quando colhidos em solo molhado, além de abrigarem maior população do patógeno, necessitam ser lavados quando se destinam ao consumo. A lavação dos tubérculos para maior valorização comercial, por acelerar o processo de apodrecimento ao fornecer água livre na superfície, além de promover ferimentos que servem como portas de entrada para o patógeno, não é tecnicamente recomendável. Quando é realizada para atender às exigências do mercado, o seu efeito danoso pode ser reduzido caso haja uma boa secagem dos tubérculos antes do ensacamento e transporte.


Quando a batata-semente é frigorificada, é importante que ela seja retirada da câmara pelo menos um dia antes do plantio e deixada em local arejado. Isto faz com que a água condensada sobre os tubérculos seque mais rapidamente, não propiciando a condição de anaerobiose que acelera o apodrecimento, antes ou logo após o plantio. A possibilidade de se controlar a canela- preta/podridão-mole através de resistência genética tem sido especulada, mas cultivares com níveis adequados de resistência ainda não estão disponíveis. Apesar de alguns produtores já terem relatado que observaram diferenças entre cultivares com relação à incidência destas doenças, isto ainda não foi constatado em termos experimentais, pois vários fatores podem afetar o desenvolvimento da doença, independentemente da cultivar plantada.



Fig. 7. Lesões causadas por Erwinia sp., em que a infecção não progrediu devido a uma condição ambiental desfavorável.


Resumo das medidas de controle


1. Escolher área de plantio que não tenha sido cultivada nos últimos anos com batata ou com outras hortaliças;
2. Preferir solos bem drenados, não sujeitos a empoçamentos de água;
3. Plantar batata-semente certificada, bem brotada e seca;
4. Plantar em solo ligeiramente úmido e não irrigar nos primeiros dias após o plantio;
5. Controlar a irrigação, evitando principalmente excesso de água e formação de poças d’água;
6. Fazer adubação balanceada, evitando especialmente o excesso de nitrogênio e a falta de cálcio;
7. Evitar ferimentos à planta durante a pulverização e amontoa. Plantas feridas por granizo, vento ou máquinas devem ser imediatamente protegidas com pulverização com antibiótico e/ou fungicida
à base de cobre;
8. Não usar água contaminada por outras lavouras ou restos de produtos;
9. Evitar ferimentos nos tubérculos durante a colheita, transporte e lavação;
10. Colher os tubérculos somente após a fixação da casca (cerca de uma semana após a morte das ramas), mas não atrasar muito a colheita;
11. Evitar a lavação da batata. Quando lavados, os tubérculos devem sofrer secagem completa antes do ensacamento;
12. Fazer rotação de culturas de preferência com gramíneas.

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