Com a reestruturação da cadeia, surgem novas regiões produtoras, mais modernas, mas ainda incapazes de agregar valor final ao produto
João Paulo Bernardes Deleo
e Margarete Boteon
orcepea@esalq.usp.br
No Brasil, a produção de batata já foi considerada uma cultura de pequenos produtores, que utilizava principalmente a mão-de-obra familiar, sobretudo no Sul de Minas Gerais, uma das maiores regiões produtoras do país. Somando-se a produção dessa região com a de outros tradicionais estados produtores, como São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, têm-se 90% da produção nacional, segundo dados do IBGE.
No entanto, o que se observa na cadeia agroindustrial da batata é uma grande mudança no mapa da produção nos últimos anos. Essa alteração foi possibilitada pelos avanços promovidos por tecnologia e pela implantação de novas variedades, bem como pela mudança fundiária e de gerenciamento das propriedades. Novas regiões produtoras surgiram e, para que se possa compreender a real situação dessa cadeia, é importante avaliálas. No novo mapa produtivo, destacam-se os estados de Goiás, Bahia e Triângulo Mineiro/ Alto Paranaíba (MG), onde grandes produtores se firmaram e já influenciam tanto a oferta nacional como o comportamento dos preços. Estima-se que alguns grupos plantem áreas próximas a mil hectares por safra.
Mas o que torna essas áreas tão promissoras? A disponibilidade de capital, de informação e assistência técnica. As cultivares também são melhores adaptadas e as condições de solo, clima, topografia são excepcionais. Em média, os produtores goianos e baianos conseguem uma produtividade de até 40 toneladas/ha. Há de se considerar ainda a proximidade desses dois estados de centros consumidores não produtores, como o Nordeste e o Centro-Oeste brasileiros. Em Minas Gerais, a fronteira da produção de batata é a região do Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba. Ambas apresentam as mesmas condições produtivas e mercadológicas da Bahia e de Goiás, mas com estrutura fundiária composta também por médios e pequenos produtores.
A região paulista de Vargem Grande do Sul, uma das principais do estado, não fica pra trás em termos de tecnologia, produtividade e comercialização do tubérculo – aprimoradas, inclusive, nos últimos anos. Por outro lado, os bataticultores do sudoeste paulista estão deslocando parte da produção para o Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro, em busca de melhores produtividade, condições climáticas e tecnológicas.
Já as regiões produtoras do Rio Grande do Sul ainda são dificilmente compreendidas em termos de produção de batata. Apesar da grande área cultivada, o estado apresenta um sistema de produção precário, com restrição financeira, o que torna difícil uma avaliação mais completa. Os demais estados do sul do país têm como diferencial a comercialização. No Paraná, por exemplo, o principal destino da batata é o mercado industrial e a comercialização do produto in natura ocorre somente no primeiro semestre. Em Santa Catarina, a produção é principalmente voltada ao mercado de semente. Entretanto, nos últimos anos, o cultivo de batata para o consumo in natura vem crescendo no estado, tomando parte de produção de semente. Mesmo assim, a batata catarinense ainda é comercializada somente no mercado local.
Mesmo com a nova estruturação, o topo no ranking produtivo ainda pertence a Minas Gerais, embora o destaque no momento em volume de produção fique por conta do Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba. Isso devido a redução da área plantada no Sul de Minas na safra das águas 2004/05. O que acontecerá no Sul de Minas? Essa região pode “perder o reinado, mas não a majestade”. As condições climáticas locais favorecem a produção da batata o ano todo, inclusive durante a safra das águas, quando a região se destaca como a principal abastecedora do mercado interno. Entretanto, mesmo com esse potencial, a rentabilidade do produtor não aumenta, devido à pouca união dos agricultores e da falta de qualidade e produtividade na região – elementos fundamentais para melhorar as condições produtivas e comerciais no sul de Minas. Numa avaliação geral, entende-se, então, que o sul de Minas Gerais e o sudoeste paulista não estão mais sozinhos como formadores de preços, uma vez que a estrutura fundiária está mudando, se concentrando também nas mãos de médios e grandes produtores de outras regiões.
Qual é o reflexo da mudança do mapa produtivo da batata sobre os preços do produto? A modernização do setor produtivo, principalmente nas novas regiões produtoras, refletiu diretamente no aumento da produtividade do tubérculo. Nos últimos anos, verifica-se uma nítida redução da área cultivada com batata no Brasil e um contínuo aumento da produção. Em 2004, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a produção total de batata nacional foi de aproximadamente 3 milhões de toneladas, em uma área de 140 mil hectares. Há trinta anos, produzíamos 2 milhões de toneladas, em 200 mil hectares.
No entanto, essa “revolução” no campo não garantiu uma agregação no valor do tubérculo. Pelo con-trário: à medida que a produtividade aumenta, principalmente nos últimos anos, a desvaloriza-ção do produto é tanta que chega a inibir o plantio. Isso gera ciclos de alta e baixa nos preços de uma safra para outra. Desde o início das pesquisas de preços pelo Cepea, em 2000, podemos observar que a valorização do tubérculo só é garantida em períodos de escassez do produto, como vem sendo verificado nesta safra das águas.
Esse comportamento é reflexo nítido de mercado saturado e do baixo consumo do produto. Segundo dados do IBGE, o consumo doméstico da batata in natura caiu 32% na capital paulista nos últimos 30 anos. Por ser um produto de preço acessível à população, não se pode culpar somente a queda de renda do brasileiro como fator limitante do consumo. Tanto que atualmente as famílias gastam, por mês, R$ 1,68 com a compra de batata in natura e R$ 7,50 com salgadinhos, sendo que a batata frita é um dos produtos deste segmento.
Como sair do ciclo de alta e baixa dos preços? Talvez repensando os fatores que levaram à saturação do mercado, como a concentração do plantioA da ágata, por exemplo. Inicialmente, o cultivo dessa variedade parecia ser a grande fórmula para intensificar o lucro dos bataticultores. Entretanto, a grande produção saturou o mercado e trouxe uma variedade de baixa qualidade para a culinária, apesar de suas boas características visuais. Há necessidade urgente de adequar a produção às mudanças de hábito do consumidor. O ganho de escala dos grandes produtores não deve ser o maior problema para o pequeno agricultor. Os grandes bataticultores direcionam suas produções para diferentes mercados e, assim, conseguem melhores remunerações. Os pequenos e médios produtores devem abandonar a idéia de competição entre si e entender que podem alcançar os mesmos benefícios através da união.
Como conquistar o consumidor ? Em primeiro lugar, é importante deixar claro para ele que existem inúmeras variedades de batata, uma para cada tipo de culinária – do cozimento à fritura. Uma iniciativa importante seria a rotulagem das variedades junto a um marketing agressivo na ponta final. A conta do lucro é simples: com uma diversificação de cultivares, não haverá concentração de oferta de nenhuma variedade, reduzindo, assim, os excessos.
Os bataticultores talvez ainda não entenderam que o mercado consumidor quer conveniência, facilidade e praticidade. Além disso, é importante deixar claro aos consumidores que a batata é saudável, livre de contaminações de alto risco (e os produtores que ainda utilizam ingredientes nocivos à saúde serem responsabilizados). Realizar as práticas de manejo integrado também é uma boa alternativa. Todas essas medidas agregariam valor ao produto e trariam uma rentabilidade mais estável ao setor produtivo.
Artigo extraído das seções de Batata da Revista Hortifruti Brasil de março de 2005 (nº 33) e outubro de 2003 (nº 18)
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