Vira-Cabeça: Ameaça à Bataticultura no Brasil

Mirtes Freitas Lima (Virologista)

Miguel Michereff Filho (Entomologista)

Embrapa Hortaliças

 

Várias doenças afetam a cultura da batata (Solanum tuberosum L.), entre as quais as de origem viral se destacam pela complexidade, inexistência de medidas curativas de controle e por, frequentemente, resultarem em danos à planta e perdas na produção. Entre estas, a doença conhecida popularmente como “vira-cabeça”, causada por espécies no gênero Tospovirus, na família Bunyaviridae é considerada como uma das principais viroses, afetando diversas culturas de grande importância econômica para a agricultura. A doença foi relatada pela primeira vez, no início do século XX, em 1915, afetando tomateiros na Austrália, tendo sido, 15 anos mais tarde, descrita a primeira espécie de tospovírus envolvida na causa da doença vira-cabeça: Tomato spotted wilt virus (TSWV). Posteriormente, outras espécies de Tospovirus foram descritas: Impatiens necrotic spot virus (INSV) em Impatiens spp., Groundnut ringspot virus (GRSV) em amendoim, Tomato chlorotic spot virus (TCSV) em tomateiro e Chrysanthemum stem necrosis virus (CSNV) em crisântemo. Entre essas, apenas INSV ainda não foi relatada no Brasil. Três dessas espécies, TSWV, GRSV e TCSV constituem o principal complexo viral infectando hortaliças no País, principalmente, solanáceas e, dessa forma, representa uma ameaça à cultura da batata no Brasil.

Os sintomas em plantas de batata infectadas são lesões pequenas e de coloração marrom escura nos folíolos do ponteiro da planta (Figura 1). Com o desenvolvimento da doença essas lesões evoluem tornando-se necróticas e de maior tamanho e finalmente, coalescem formando extensas áreas necrosadas nos folíolos, ocorrendo, também, necrose do ponteiro da planta (Figura 2). Nas folhas, ainda podem surgir anéis cloróticos e/ou necróticos, às vezes, concêntricos (Figura 3). A severidade dos sintomas na planta infectada pode variar segundo a cultivar, a idade da planta na época da infecção, assim como também com a estirpe do vírus, entre outros fatores. De forma geral, quanto mais cedo a planta for infectada, mais severos serão os sintomas e maiores serão os prejuízos na produção.

Esses vírus possuem amplo círculo de plantas hospedeiras, sendo capazes de infectar mais de 1.000 espécies botânicas, em 85 famílias. A doença vira-cabeça afeta, principalmente, espécies da família Solanaceae (tomate; pimentão; pimenta; fumo), além de alface (família Asteraceae), causando sintomas severos nas plantas e perdas significativas na produção. Esses vírus infectam também berinjela, jiló, coentro, lentilha e grão de bico, entre outras, porém sem relatos de perdas devido à doença. Entre as plantas infestantes, infecção por tospovírus já foi detectada em joá de capote, maria-pretinha, trombeteira, caruru, picão, beldroega, serralha, bela-emília, santa-maria e mostarda, entre outras, as quais atuam como reservatório de tospovírus em campo e servem como fonte de inoculo para infecção de espécies cultivadas.

No campo, os tospovírus são transmitidos entre plantas por tripes (Thysanoptera: Thripidae). Quatro das espécies de tripes associadas à transmissão desses vírus ocorrem no Brasil: Frankliniella occidentalis, F. schultzei, Thrips tabaci e T. palmi, entre as quais, F. schultzei (Figura 4) é a mais importante. Entretanto, T. palmi tem sido relatado como sendo o mais frequente em cultivos de batata, porém as demais espécies podem também ser encontradas na cultura, dependendo do sistema agrícola predominante na região. A transmissão de tospovírus pelo tripes ocorre de maneira persistente-propagativa. O tripes adquire o vírus, quando ainda no estádio larval, se alimenta, por um período de pelo menos 15 minutos, em planta infectada com tospovírus. O vírus se multiplica no corpo do tripes por 3-10 dias (período de incubação), variando segundo a temperatura, sendo retido no inseto, em todas as fases de desenvolvimento. Após um período de, aproximadamente, 15 a 30 dias, o tripes atinge o estádio adulto e torna-se, então, apto a transmitir o vírus ao se alimentar em planta sadia. Apenas quando esses insetos se alimentam em planta infectada, neste estádio de desenvolvimento (larva) são capazes de adquirir as partículas virais e de transmiti-las para plantas sadias, ao se tornarem adultos. Se isso não ocorrer e nesse caso, mesmo que o tripes venha a se alimentar em planta infectada quando adulto, o inseto não será capaz de transmitir tospovírus às plantas. Esse detalhe é importante para o manejo do vetor e da virose. Não há transmissão dos tospovírus aos descendentes do tripes, através do ovo. A transmissão em sementes não foi relatada até o momento. Os tripes são disseminados principalmente, por meio do vento. Além do dano indireto com a transmissão de vírus, esses insetos podem também causar dano direto na planta durante a alimentação.

A importância da doença reside na severidade dos sintomas causados em plantas afetadas pela doença, com necrose em folhas, hastes e ponteiro e, consequentemente, com reflexos negativos na produção, além do aumento dos gastos com as medidas empregadas no seu controle. Também, deve-se considerar o amplo círculo de plantas hospedeiras de tospovírus que, dessa forma, podem sobreviver em tigueras de plantas cultivadas ou em plantas infestantes suscetíveis aos vírus; a diversidade de espécies de tospovírus infectando hortaliças, plantas ornamentais e plantas infestantes no campo, as várias espécies de tripes que transmitem esses vírus e as inúmeras espécies de plantas que abrigam esses insetos e nas quais estabelecem colônias e se reproduzem, propiciando a sua sobrevivência em campo.

A identificação correta da doença é o primeiro passo na definição das medidas de controle a serem adotadas. Dessa forma, a diagnose da doença com a identificação do agente causal é feita com a utilização de métodos biológicos (inoculação do extrato de planta infectada em espécies de plantas indicadoras, cujos sintomas possuem valor diagnóstico), sorológicos utilizando antissoros específicos para identificação de cada espécie de tospovírus, por meio de DAS-ELISA (Double antibody sandwichEnzyme-linked immunosorbent assay) e moleculares, em geral RT-PCR (Reverse Transcription – Polymerase Chain Reaction), utilizando oligonucleotídeos específicos para identificação de cada espécie viral e sequenciamento. Entretanto, os resultados desses testes se complementam na identificação das espécies de tospovírus.

O controle de tospovírus é complexo quando consideramos fatores como o grande número de espécies de plantas que são capazes de infectar, a diversidade de espécies desses vírus e também dos tripes vetores e sua ampla distribuição geográfica, tornam o manejo da doença difícil em campo. Como não existem medidas curativas de controle do “vira-cabeça”, as estratégias a serem adotadas devem considerar a prevenção da doença com o emprego de medidas de manejo adotadas de forma integrada, de modo a evitar e/ou reduzir a introdução da doença nas áreas produtoras de batata. O primeiro passo é a utilização de batata semente de boa qualidade e livre de patógenos, incluindo os vírus. Dessa forma, o tubérculo semente não estará carreando inoculo para o campo. Não estabelecer plantios de batata próximos a lavouras de tomate, pimentão, pimenta, fumo, alface ou outras plantas muito suscetíveis aos tospovírus, pois essas plantas podem servir como fonte de vírus para infecção de plantas de batata. Entretanto, em havendo plantios dessas culturas situados próximo à área a ser cultivada com batata, deve-se destruir os restos de cultura logo após a colheita e antes do plantio da batata.  Eliminar plantas infestantes que estejam dentro e nas proximidades da lavoura, nos 45 dias que antecedem a semeadura da batata, assim como também, durante todo o ciclo da batata. Arrancar e destruir fora da lavoura plantas de batata infectadas com tospovírus e que se encontrem em estádio inicial de infecção, visando reduzir a fonte de vírus que podem servir de inoculo para a área cultivada. Realizar o controle de tripes com inseticidas registrados para batata e recomendados para essa praga-alvo.

É importante enfatizar para o produtor que o controle químico não deve ser a única forma de combate dos tripes e também de reduzir a disseminação do “vira-cabeça” na cultura da batata. O uso de inseticidas sempre deve estar associado a outros métodos de controle mencionados anteriormente. Também, quando não há histórico da doença “vira-cabeça” em tomate ou batata na região, não se justifica o uso de inseticidas de forma “calendarizada” para o controle de tripes na cultura durante o cultivo.

Como os tripes desenvolvem resistência rapidamente aos diversos ingredientes ativos, deve-se adotar um rodízio de produtos de diferentes grupos químicos e modos de ação. Assim, recomenda-se a utilização do mesmo produto (ingrediente ativo) por no máximo duas semanas seguidas (tempo de uma geração do tripes, de ovo ao adulto). Quando forem necessárias novas aplicações deve-se usar outro produto, de outro grupo químico e de diferente modo de ação.

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Figura 1. Lesões de coloração marrom e necrose em folíolos de planta de batata induzidas por tospovírus. (Foto: Mirtes Lima).

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Figura 2. Necrose do ponteiro em planta de batata infectada por tospovírus. (Foto: Mirtes Lima)

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Figura 3. Anéis necróticos concêntricos em folíolos de planta de batata infectada por tospovírus. (Foto: Mirtes Lima)

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Figura 4. Tripes adulto da espécie Frankliniella schultzei na forma escura. (Foto: Miguel Micheref Filho)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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