Ações do Projeto Mogi-Guaçu na orientação a produtores rurais quanto ao uso correto e seguro de agrotóxicos

Maria Edna Tenório Nunes
Engenheiro Agrônomo, Mestre em Fitopatologia
Projeto Mogi-Guaçu – Núcleo de Estudos em Ecossistemas Aquáticos – NEEA/CRHEA/SHS/EESC/USP
Coordenadora do Núcleo de Agrotóxicos/Agricultura Alternativa do Projeto Mogi-Guaçu.
Projeto Mogi-Guaçu – Rua Miguel Petroni, 625
Vila Pureza, CEP 13561-970, São Carlos/SP
(16) 3373.8251 – metnunes@terra.com.br


 


Agrotóxicos aplicados às culturas para o controle de doenças, pragas e plantas invasoras, podem ser facilmente espalhados para além de seus alvos. Ao seguirem para córregos, rios e lagos podem ter efeitos deletérios sobre a biota aquática. Esses produtos podem atingir, ainda, lençóis subterrâneos, contaminando reservatórios de água potável, além de também poderem afetar, indiretamente, outros ecossistemas. Os impactos de agrotóxicos não se restringem ao meio ambiente. Eles podem também prejudicar a saúde de quem os aplica no campo, de membros da comunidade e de consumidores de alimentos contaminados por resíduos. O primeiro grupo (aplicadores) é, sem dúvida, o mais afetado. A exposição a agrotóxicos pode acarretar problemas respiratórios, como bronquite asmática e outras anomalias pulmonares, gastrintestinais e, para alguns compostos, debilidade motora e fraqueza. Além do fenômeno agudo, existe também a intoxicação crônica, na qual a reversibilidade do quadro clínico é, em geral, bastante difícil. Apesar dos poucos estudos existentes, sabe-se que podem ocorrer problemas oculares, nos sistemas respiratório, cardiovascular, neurológico e gastrintestinal.
O município de Bom Repouso/MG, destaca-se como produtor de batata-inglesa e morango, culturas caracterizadas pela utilização de grande quantidade de agrotóxicos. A falta de orientação adequada aos agricultores muitas vezes os leva a adotar práticas que podem ser prejudiciais tanto ao meio ambiente quanto à saúde de aplicadores de agrotóxicos, que se expõem mais diretamente aos produtos, e também dos consumidores, em função de resíduos presentes nos produtos colhidos. Ãreas de grande declividade são utilizadas para o plantio (Figura 1), motivo que aumenta a preocupação em relação aos impactos dos agrotóxicos.



Figura 1. Acima, vista de área rural de Bom Repouso, MG, com destaque para as principais culturas comerciais do município: morango (ao fundo, cobertas por túneis de plástico branco) e de batata-inglesa (em primeiro plano). Abaixo, detalhe de plantio de batata em área de grande declividade.


Integrantes do Núcleo de Agrotóxicos/Agricultura Alternativa do Projeto Mogi-Guaçu, desenvolvido pelo Núcleo de Estudos em Ecossistemas Aquáticos (NEEA/CRHEA/SHS/EESC/USP) com patrocínio do Programa Petrobras Ambiental, realizaram uma caracterização do uso de agrotóxicos no município, por meio de entrevistas a produtores rurais. Esse estudo evidenciou que as atividades agrícolas no município são desenvolvidas caracteristicamente por pequenos produtores, com baixo grau de escolaridade, a maioria tendo cursado no máximo até a quarta série do Ensino Fundamental ou sem nenhuma instrução formal. Isso se reflete diretamente em suas escolhas quanto às práticas de cultivo adotadas, que incluem, entre outras: uso inadequado de insumos agrícolas; compra de defensivos agrícolas sem receituário agronômico; não respeito à dosagem recomendada dos produtos; mistura dos componentes tóxicos, desconsiderando o principio ativo e os possíveis problemas que possam ocasionar a sua saúde e a suas áreas de cultivo.


Verificou-se ainda que o acesso desses produtores à assistência técnica é precário, sendo que a maioria afirmou não receber qualquer orientação. Um fato grave em relação a isso é que muitos dos entrevistados mencionaram que os produtos utilizados nas culturas não se alteram ao longo dos anos e, então, consideram que não há necessidade de receberem orientação de técnicos especializados, ou mesmo que estes façam visitas às propriedades para dar assistência. Afirmam o mesmo em relação à necessidade do Receituário Agronômico para aquisição de agrotóxicos. Com isso, acabam se perpetuando formas errôneas de utilização de agrotóxicos e, consequentemente, aumentando os riscos potenciais à saude desses agricultores e ao meio ambiente.


Verificando a necessidade de orientação aos produtores quanto ao uso correto e seguro de agrotóxicos, o Núcleo realizou no município palestras de orientação aos produtores, destacando a importância do Uso Correto e Seguro de Agrotóxicos em relação à saúde do aplicador, proteção ambiental e produção de alimentos saudáveis. Além das palestras, a orientação aos produtores também se deu por meio de esclarecimento de dúvidas e distribuição de material informativo durante as visitas às propriedades, para realização das entrevistas.


Atividades do Núcleo também incluem pesquisas sobre os efeitos de agrotóxicos e metais sobre organismos não-alvo dos compartimentos aquático e terrestre. Em relação ao compartimento aquático, análises realizadas com amostras de solo de áreas sob cultivo de batata e de morango do município de Bom Repouso confirmam o potencial de impacto negativos. Em solo sob cultivo de batata detectou-se a presença de aldrin, heptacloro, heptacloro epóxido e clorpirifós e em solo sob cultivo de morango, foram encontrados resíduos de aldrin, heptacloro epóxido e endosulfan-I. Mesmo em solo de área com mata preservada também foram detectados aldrin, heptacloro, heptacloro epóxido, endosulfan-II, gama-BHC, e clorpirifós.


Também foram realizados estudos com organismos jovens de peixes expostos, durante 4 dias, a água percolada de amostras de solos sob cultivo de batata e morango e, embora a mortalidade dos organismos não tenha sido significativa, quando expostos por um maior período de tempo os organismos tiveram menor crescimento. Juvenis de peixes expostos aos percolados apresentaram peso e comprimentos significativamente menores, em relação aos organismos mantidos como controle. Outro efeito observado relacionou-se a alterações histológicas nas brânquias dos indivíduos expostos aos percolados. Pelo fato de estarem em contato direto com a água e apresentarem uma grande área superficial, que permite as trocas gasosas entre o sangue e o meio externo, as brânquias são órgãos extremamente sensíveis à toxicidade. Em geral, os organismos apresentaram alterações relacionadas principalmente a proliferação celular, deslocamento de epitélio das lamelas, espessamento e fusão completa de lamelas secundárias, além de alguns apresentarem aneurismas. Ainda em relação aos efeitos em organismos não-alvo, o Núcleo iniciou estudos voltados ao compartimento terrestre, com a utilização de minhocas (Eisenia foetida) como organismos-teste.


A despeito de sua grande importância econômica, a cultura da batata, como outras, pode significar impactos negativos à saúde ambiental e humana, quando conduzida de forma inadequada.
Há necessidade, portanto, de que todos os envolvidos com sua cadeia produtiva mantenham em mente a importância de ações que permitam identificar, monitorar e mitigar tais impactos, de forma a manter a viabilidade econômica, social e ambiental da cultura.

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