Associativimo-A Cooperativa Agrícola de Cotia um marco na histórica da batata no Brasil (parte 2)


A expansão territorial, verticalização e competividade no mercado, aproximação do limite de crescimento, início da crise e a auto-liquidação


Artigo alusivo a comemoração do IMIN 100 – Cem anos da imigração japonesa no Brasil


Quando o segundo e terceiro autor deste artigo receberam a notícia da liquidação oficial da cooperativa e da demissão não puderam acreditar que a empresa, onde iniciaram suas carreiras, pudesse ter falido. A solução encontrada foi um sair como dekassegui no Japão e outro voltar à fazenda do pai no interior de São Paulo. Entretanto, para os sete produtores que ficaram em Canoinhas (SC), onde eram todos do mesmo ex-depósito regional da Coopercotia, não restava alternativa a não ser alugar as instalações das instituições credoras e continuar a atividade que sempre fizeram a de produzir batata semente e cereais. Resolveram então montar uma cooperativa. Assim, os dois autores foram chamados para retornar, desta vez para trabalhar na futura Sociedade Cooperativa União Agrícola Canoinhas. Para outros dos 70 depósitos, filiais e cooperativas associadas espalhadas por oito Estados fizeram o mesmo. Houve um renascimento? Sem dúvida algumas destas novas cooperativas hoje são maiores que os depósitos regionais originais. Neste artigo serão relatados os fatos que levaram a auto-liquidação da maior cooperativa agrícola brasileira durante 40 anos, no qual não existe uma causa principal, mas uma conjugação de situações da conjuntura nacional, gigantismo, mudança do mercado e internacionalização da economia global.


 


A expansão territorial, verticalização e competividade no mercado:


A partir da década de 1940 a cooperativa iniciou um processo de diversificação das culturas agrícolas, além da batata, passou a produzir e comercializar diversos produtos como hortaliças (tomate, abobrinha, batata doce, cebola, cenoura, pepino, folhosas etc), frutas (banana, pêssego, maçã, pêra, uva, caqui etc) além de produtos granjeiros como aves e ovos. Também o chá foi muito importante e foi um dos primeiros a ser industrializado e exportado. Com a expansão das fronteiras agrícolas muitos produtos passaram a serem produzidos como o algodão, rami, soja, milho, arroz, feijão, amendoim, café, entre outros. Junto com a comercialização dos produtos primários, a industrialização tornou-se atividade importante. Foram instaladas indústrias de processamento de chá, fiação de algodão, fertilizantes, ovos pasteurizados etc. Em 1966, o governo emitiu o Decreto Lei 59, que obrigou a Coopercotia a se dividir em várias outras cooperativas menores. Assim foi criado o “Sistema Cotiano de Cooperativasî, que era a integração da Cooperativa Agrícola de Cotia à Cooperativa Central, mais oito cooperativas singulares espalhadas por várias regiões de atuação, uma cooperativa de crédito rural (CRCR), sete empresas subsidiárias (CODAI, Agroflora, Concórdia seguros, Promissor, Irpasa, entre outras) e algumas entidades de assistência social. Como cooperativa central de segundo grau, a missão era de administração, pesquisa agrícola, suprimento de insumos e comercialização da produção oriunda das cooperativas singulares. Já estas cooperativas que tinham a subordinação gerencial através de um funcionário da cooperativa central, tinha a função de dar assistência técnica aos associados, receber a produção, e tratar dos assuntos administrativos locais entre empresa e produtores da região de abrangência. Além da diversificação e verticalização da cadeia dos produtos oferecidos ao público pela cooperativa, na década de 1950, iniciou a expansão de fronteiras agrícolas, incentivada pela necessidade em realocar os filhos dos associados à procura de novas oportunidades, por terras. E pelo incentivo governamental em busca da ampliação da produção e desbravamento das fronteiras agrícolas, principalmente rumo ao Centro-Oeste, na região do Cerrado, e ao Sul, pelas terras resultantes do desmatamento das florestas pela extração madereira. Foram iniciados vários projetos, como o da maçã em São Joaquim (SC), o de produção de frutas tropicais no perímetro irrigado do Vale do Rio São Francisco, em Pernambuco e Bahia. No Cerrado foram realizadas ações em Minas Gerais, como o Programa de Assentamento Dirigido do Alto Parnaíba em 1971, onde foram abertas as regiões de São Gotardo, com a aquisição de 72.600 hectares, pelo governo mineiro para assentamento dos associados. Além de outros 70.000 hectares do PRODECER I na região de Coromandel, Paracatu, Iraí de Minas e Unaí. Em 1980, a cooperativa se instalou no Oeste baiano no município de Barreiras. E em 1985 foi implementado o PRODECER II, estendido para outros Estados do Centro-Oeste, e a Coopercotia participou com o Projeto Ouro Verde, assentamento de produtores em 13.558 hectares em Formosa do Rio Preto. Também esteve no Projeto Pirapora, no Vale do São Francisco, recebendo 1.557 hectares da CODEVASF e o Projeto Curaçá, em Juazeiro, para produção de uva e manga irrigada. Neste mesmo Estado, em Teixeira de Freitas, na produção de mamão papaia. No auge de sua expansão territorial a cooperativa e suas 11 cooperativas regionais associadas, tiveram 70 depósitos espalhados em 8 Estados para atender aproximadamente 18 mil produtores associados, que recebiam assistência técnica através de 530 engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas. Na área social, recreativa e educacional, foram várias as ações da cooperativa. A primeira foi em 1917 com a Cotia Shoogakoo (escola), na década de 1950 com a necessidade de mão-de-obra de jovens do pós-guerra, foi implantado o programa Cotia Seinen, que convidava jovens japoneses a trabalharem na agricultura no Brasil. Os primeiros chegaram em 1955 e no total vieram 2.503 jovens, na maioria solteiros, e que hoje compõem o grupo de produtores espalhados pelo país nos depósitos regionais. Em 1962, foi criada a Sociedade Beneficiente Coopercotia, a Fundação Coopercotia, a Coopercotia Atlético Clube, o Departamento de Senhoras, o Departamento de Jovens, o Colégio Agrícola Coopercotia, em Jacareí, a CAC Previdência Privada e o Centro de Treinamento, na Raposo Tavares.


 


A batata e a batata semente


Esta cultura foi o motivo pela qual, em 1927, formou-se a Coopercotia. Iniciada em Cotia, se expandiu pelos municípios do entorno da cidade de São Paulo, em Suzano, Mogi das Cruzes, depois para região bragantina, e para o Sul seguindo a Rodovia Raposo Tavares, entrando no Estado do Paraná, na região de Castro e Ponta Grossa e, também, na região metropolitana de Curitiba (Araucária). Por ocasião do início da segunda Grande Guerra Mundial, a produção da cooperativa atingia 500 mil sacas, caiu para 250 mil em 1943, voltando a crescer em 1960 com 1.950 mil e em 1975 com 2.742 mil por ano. Desde que iniciou a produção de batata a semente sempre foi motivo de preocupação dos associados, por ser um componente caro no custo de produção e por ser veículo de doenças e pragas para a futura lavoura de batata. As primeiras sementes foram retiradas da própria lavoura, mas logo perceberam que haveria necessidade de uma fonte de suprimento mais constante e de melhor qualidade. Assim passaram a importar sementes da Holanda. Desde 1932, foram tentadas a produção de batata semente no país na região de Cascata, São João da Boa Vista, Irati, mas sempre resultaram em fracasso devido à baixa qualidade. Em 1962, um grupo de produtores começou a plantar sementes na região de Canoinhas (SC), usando terras recém desmatadas para se prevenir do ataque de murchadeira. O resultado foi favorável e esta região se tornou o principal pólo de produção de sementes da cooperativa nas décadas de 1970 a 90, tanto é que em 1975 com a implantação do Planasem à Plano Nacional de Sementes, se instalou o Centro de Treinamento e Multiplicação de Batata Semente do convênio entre o Brasil e Alemanha, e que depois em 1976 passou para a Embrapa Sementes Básicas, para desenvolver a tecnologia de produção de batata semente nacional através de biotecnologia. Esta parceria com a cooperativa iniciou em 1984 e foi até 1990, quando terminaram os projetos de contingenciamento na importação de batata semente. Em 1984, a Cooperativa Agrícola de Cotia instalou em Canoinhas a central de estocagem e c‚maras frigoríficas de batata semente e o laboratório de biotecnologia e telados para produção de minitubérculos de batata semente. Ainda na década de 1980 foi aberta outra região para produção de batata semente, em Palmas (PR). Em 1988, iniciou a produção de alimentos semiprocessados e a agroindústria de batata pré-frita supergelada com a marca CAC e BINT, em parceria com a rede McDonald’s e também a Unidade de Produção de Batata Semente de Cristalina (GO) uma nova fronteira na produção de batata semente.


 


O fim do limite de crescimento, a crise e a autoliquidação


Em 1988, com o fim da gestão de Gervasio Tadashi Inoue, após três décadas de comando, assume a presidência Kazuo Katayama em meio a uma disputa de poder por vários grupos, causando o agravamento do consenso administrativo que sempre existiu entre os produtores e os dirigentes nas épocas dos três presidentes antecessores. Mas, na década de 1990 com a implantação de planos econÙmicos para ajustar as finanças governamentais, como os Planos Collor, Maílson e Real, a cooperativa passou por necessidade de mudanças que não aconteceu, pois com a criação da cooperativa central, os produtores se distanciaram do comando central e os grupos de maior poder passaram a comandar as ações, dificultando as adaptações de mudanças na produção e mercado. Cessaram também os projetos governamentais de expansão de fronteiras agrícolas, diminuíram as isenções fiscais e os financiamentos de fontes especiais. O mercado passou por ajustes de preços com a abertura internacional da economia. Além disto, nesta época o país passou por períodos de alta inflação, sucessivos planos econômicos, enxugamento de ativos especulativos no mercado financeiro, e a cooperativa não teve rapidez administrativa para se ajustar a estas mudanças e, principalmente, adequar o seu volume de produção agrícola e distribuição, aos preços de mercado num ambiente altamente inflacionário. O sistema pooling implantado décadas atrás não se ajustava mais a nova realidade de mercado atual, além disto, devido ao projeto de verticalização da produção, a cooperativa tinha um alto endividamento no sistema financeiro. A partir de 1992 começaram a aparecer dificuldades e o crédito se tornou difícil. Em julho de 1993, a cooperativa declara inadimplência, menos de um ano após o início da construção da Cotia Shopping Center, no Largo da Batata, no Bairro de Pinheiros, em São Paulo. No início de 1993, com a criação do Comitê dos Bancos Credores, é feita a assembléia geral com a mudança dos estatutos e assume a direção do comitê de administração Irineu Koyama, ocasião em que a Coopercotia declara publicamente que chegou ao limite de sua inadimplência financeira. O Comitê de Bancos faz um levantamento do montante da dívida que estimou- se, na época, em R$ 640 milhões, sendo que os principais credores eram o BANESPA, Banco do Brasil, LLoyds, BCN, Sudameris, Nacional Multiplic, Real, Itaú, Bradesco e outros bancos, que hoje já nem existem mais pois foram incorporados a outras instituições financeiras. Também entre 1993 a 95 foram demitidos quase metade dos 9.748 empregados, foi tentado a venda de vários ativos e fechamento de unidades deficitárias, o alongamento desta dívida com os bancos credores por 15 anos e um empréstimo ponte de 60 milhões de dólares, que ao final não deu certo devido à falta de aval dos bancos credores. Este empréstimo era para cobrir parte das dívidas trabalhistas resultante do enxugamento do quadro, tributos, produção a pagar dos cooperados, hipotecas, penhores agrícolas e mercantis, cauções, capital de associados etc, que chegaram ao montante final de R$ 840 milhões, nos valores da época. Após um ano de negociações frustradas, finalmente o presidente Koyama renuncia o cargo em 1994, e após nova assembléia geral assume o novo presidente Keyro Simomoto em agosto, no mês seguinte é decretada a autoliquidação da Cooperativa Central, com o início do processo de leilão das instalações da cooperativa. Em março de 1995 foi contratado o primeiro leilão de liquidação, entretanto foi impedido pela Justiça. Após nova proposta de liquidação da dívida e da arguição da justiça da constitucionalidade da CAC pelo Banco do Brasil, é finalmente conseguida definitivamente a liquidação judicial da cooperativa com uma dívida acumulada de aproximadamente R$ 1,5 bilhões, nos valores da época.


 


As consequências


Depois da liquidação decretada e a nomeação do síndico da massa falida, os produtores, ex-associados e exempregados continuaram exercendo suas originais atividades e profissões, muitos deles assumiram e alugaram os antigos depósitos e outras instalações das instituições credoras. Os produtores rurais que continuaram associados entre si, por sua vez, criaram empresas ou cooperativas que ainda hoje estão em plena atividade. Durante quase dez anos a marca Coopercotia e CAC esteve presente nas instalações, equipamentos, pessoas e na cultura da agremiação. Hoje já se tornaram eficientes e lucrativas organizações. As empresas que ressurgiram, somente para citar algumas, são: a SANJO Cooperativa de Produtores de Maçã de São Joaquim (SC), a COOPERAGRO Cooperativa de Produtores de Batata Semente de Canoinhas (SC), a COCAMP da Palmas (PR), a COOPERPONTA de Ponta Grossa (PR), a Cooperativa Integrada dos Produtores de Cereais de Londrina (PR) que está na lista das 1.000 maiores empresas brasileiras, Unicastro de Castro (PR), a CART de Tatuí (SP), a CACB – Cooperativa Agrícola de Produtores de Batata de Capão Bonito; a COOPADAP Cooperativa dos Produtores de São Gotardo ( MG) e a CAJ Cooperativa dos Produtores de Frutas de Juazeiro (BA) que exporta mangas; a Cooproeste de Barreiras (BA), além de outras cooperativas e empresas de pequeno e grande porte espalhadas em São Paulo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e outros Estados.



Para saber mais :


Célia Sakurai, Os Japoneses, Editora Contexto, S. Paulo, 2008, 368 p. Drauzio L. Padilha, CAC, cooperativismo que deu certo, Cooperativa Agrícola de Cotia – Cooperativa Central, S.Paulo, 1989, 365 p. Edson M. Asano, Comercialização na Cooperativa Agrícola de Cotia, capitulo do livro Produção de Batata, p. 166-170, Linha Gráfica e Editora, 1a Edição, 1987. Jacques Marcovitch, J. O Caso Cotia: Ascensão, queda e esperança, apostila PENSA-FIA-USP, in VI Seminário Internacional do PENSA, Gramado, 1996, 39 p. 


Elcio Hirano da Embrapa, elcio.hirano@embrapa.br
Satoru Ogawa e Cláudio T. Fujita, ambos da COOPERAGRO-AGROSEM, agrosembatatasemente@brturbo.com.br
Revisão e fotos
Edson M. Asano,
edson@nascente.com



Curso de Produção de Batata (1982) Realização: Embrapa com a participação da Cooperativa Agrícola de Cotia. Da esq. para a dir., em pé Kazuo Katayama (vice-presidente e diretor de batata da Cotia), Dr. Luis Salazar (CIP-Peru) e Dr. Élcio Hirano (SPSB – Embrapa Canoinhas). Foto: Edson Asano



Dia de Campo (1982) – Visita de produtores de batata consumo aos campos de produção de batata semente em Canoinhas (SC). Foto: Edson Asano



Vista externa dos telados na Unidade de Produção de Material Básico de Batata Semente da Cooperativa Agrícola de Cotia em Canoinhas (SC). Foto: Edson Asano



 Vista externa dos telados na Unidade de Produção de Material Básico de Batata Semente da Cooperativa Agrícola de Cotia em Canoinhas (SC). Foto: Edson Asano



Vista interna dos telados na Unidade de Produção de Material Básico de Batata Semente da Cooperativa Agrícola de Cotia em Canoinhas (SC). Foto: Edson Asano



Vista interna dos telados na Unidade de Produção de Material Básico de Batata Semente da Cooperativa Agrícola de Cotia em Canoinhas (SC). Foto: Edson Asano

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