Em prosseguimento a apresentação de artigos alusivos ao IMIN 100 – Cem anos da imigração japonesa no Brasil, a revista atata Show apresenta uma série de dois artigos intitulada: “A Cooperativa Agrícola de Cotia, um marco na histórica da batata no Brasil”, no qual o leitor saberá os acontecimentos que ocorreram com o maior empreendimento agrícola e cooperativista de quatro décadas do século 20.
No fi nal destes capítulos, esperamos que os caros leitores possam perceber que a história sempre se repete, por que ronicamente empresas grandiosas e de sucesso têm difi culdades de se perpetuar ao longo de décadas e tem maior difiiculdade de enfrentar as turbulências da economia e do mercado. O sucesso do passado e a grandiosidade do presente não são garantia de sobrevivência no futuro.
A cada dia presenciamos exemplos como a Matarazzo, Bamerindus, Hermes Macedo, Varig, Mesbla, Vasp, Banco Econômico e tantas outras, que após anos de sucesso não conseguiram se adaptar aos novos tempos. Numa outra escala, o popular refrão: “Pai rico, fi lho nobre e neto pobre” possa ser usado tanto para grandes organizações, como para grupos familiares, e para os produtores de batata que também passaram por estes mesmos ciclos de evolução. A pergunta que fica no ar é se o sistema paternalista de patrão e camarada aprendiz que foi o estopim do crescimento dos antigos produtores de batata, notadamente os da etnia japonesa, baseados na extrema confi ança, submissão e tradição de seus superiores ou instituiçiões, que apesar de ser realmente ético e eficiente, pode se adequar aos tempos modernos, nos quais os valores atuais como: agilidade, independência e quebra do tradicional. O que será o setor da batata para as próximas décadas quando nossos fi hos e netos estiverem na atividade?
Elcio Hirano da Embrapa
elcio.hirano@embrapa.br
Satoru Ogawa e Cláudio T. Fujita ambos da
COOPERAGRO-AGROSEM, agrosembatatase
mente@brturbo.com.br
Os antecedentes, a idéia e a criação (parte 1)
Artigo alusivo a comemoração do IMIN 100 Cem anos da imigração japonesa no Brasil
Em abril de 1994, quando o primeiro autor deste artigo foi época como bolsista do JICA (Agência de Cooperação Científica do Japão) em uma reunião com o representante para assuntos internacionais do Ministério da Agricultura, Florestas e Pesca do Japão, em Tóquio, e relatou que a Cooperativa Agrícola de Cotia havia decretado o fechamento, houve um silêncio total na sala onde havia mais 25 outros bolsistas e pesquisadores de vários paises. Seguiram-se manifestaçies de incredulidade e de comoção, pois jamais se poderia acreditar que um dos empreendimentos brasileiros mais importantes na história da agricultura e da etnia japonesa durante o século 20, pudesse um dia acabar de forma tão drástica e sofrida, devido a dimensão e a fama que esta cooperativa alcançou no mundo. Para os jovens produtores hoje na faixa etária dos 25 anos, talvez o nome Coopercotia seja sem importância, mas historicamente, a bataticultura nasceu do encontro entre esta instituição e as pessoas que nela se relacionaram. Muito dos conhecimentos técnicos, do mercado que hoje existe e das pessoas (da geração de nossos pais e avós) que produzem e trabalham com a cultura atual, se deve o que a Coopercotia fez nestes 60 anos de atividades. Neste ano da comemoração do centenário da imigração japonesa no país, ela é lembrada nesta série de dois artigos de revisão bibliográfica que enfoca as etapas da história desta grande instituição.
Os antecedentes
Com o fi m do tráfi co e da exploração da mão-de-obra escrava dos africanos, que culminou na assinatura da lei da Abolição de Escravatura no Brasil em 1888, os fazendeiros de café começaram a buscar novas fontes de mão-de-obra para trabalhar em suas fazendas, e os encontraram primeiro na Europa, com a vinda de italianos, alemães, letões, poloneses, ucranianos e espanhóis, posteriormente também com a vinda dos japoneses. Entretanto, somente esta imigração pode se oficializar com a assinatura do Tratado de Amizade de Comércio e navegação entre os dois países.
O que se deu em 1895 e com a instalação de um embaixador japonês no Brasil. Na prática, em 1907 houve a entrada de um grupo de agricultores liderado pelo senhor Saburo Kumabe, que se instalou em Macaé, no Distrito de Conceição do Macabu, na Fazenda Santo Antônio um latifúndio de 3.200 hectares comprados pelo governo estadual do Rio de Janeiro para instalação destes agricultores. Entretanto, só durou seis meses: derrotados pela malária, más condiçies climáticas e de solos para produção de hortaliças e cereais. As famílias se espalharam, sendo que muitas foram morar nas cidades e seus descendentes se espalharam pelo país, um deles foi Fábio Yassuda, o primeiro nissei a se tornar ministro da Indústria e Comércio, em 1969. Posteriormente, através da negociação do governo paulista, em 1908, o navio Kasato Maru trouxe 781 imigrantes, sendo este fato considerado o marco inicial da imigração japonesa no país. O destino de muitos destes colonos japoneses foram as fazendas de café. Entretanto, como houve muitas dificuldades de adaptação em relação a métodos de trabalho e a cultura japonesa, aos poucos foram se desligando destas fazendas e os que permaneceram no campo foram a procura de terras de menor valor e na periferia das cidades, tentando cultivar produtos escassos nos mercados locais como hortaliças e frutas. Devido a cultura gregária japonesa foram se estabelecendo em núcleos agrícolas. Um destes núcleos foi o de Moinho Velho, na vila de Cotia, distante 20 km da cidade de São Paulo. Este núcleo, que usava técnicas agrícolas apreendidas na província de Kochi, de onde a maioria dos colonos eram procedentes, começou a produzir batatas.
A idéia e a criação
Como a maioria destes agricultores eram solteiros ou jovens casais, o primeiro empreendimento conjunto foi a inauguração em 1916 de uma escola primária e da sede de sua associação. Além disso, começaram a fazer o transporte coletivo de sua produção entre seus sítios e o mercado de Pinheiros. Como o transporte por carretas de bois demorava três dias para percorrer os 50 quilômetros de ida e volta, logo adotaram o transporte por caminhões fretados, reparar alguns trechos de estrada e montar um depósito perto do mercado. Entre 1915 a 1927, duas “entidades” se formaram neste núcleo, primeiro a “Escola de Plantação de Batatas”, no qual o dono da plantação, para suprir a necessidade de mão-de-obra extra-familiar, adotou um sistema de patrão e camarada, no qual o segundo fornecia sua mão-de-obra, e o primeiro conhecimentos e posteriormente o ajudava a se instalar como dono de uma nova plantação de batatas. O segundo foi a “Associação Japonesa” que tratava coletivamente de todos os assuntos com o mercado, fornecedores de insumos e governos locais. Este sistema de trabalho coletivo prosperou devido aos seus antecedentes étnicos feudais dos associados, que ainda no fi m do século 19 e mesmo com a era Meiji já adotada, a relação do daimio (senhor feudal) protetor e os súditos fornecedores de trabalho ainda continuava muito presente entre os agricultores do núcleo. Em 1915, chegou ao núcleo um jovem agricultor imigrante chamado Kentiti Simomoto, que depois em 1925 voltou ao Japão em busca de uma noiva, onde havia recém-formado uma cooperativa rural. Entusiasmado pela idéia, voltou a Moinho Velho disposto a formar uma cooperativa, cuja oportunidade surgiu em 1927 com a crise de comercialização do mercado de Pinheiros, que era feita de forma desorganizada e usando locais inadequados, proporcionando aos intermediários lucros exorbitantes a custa de baixos preços pagos aos produtores. Na época havia grande procura pelo produto pelos imigrantes europeus acostumados ao consumo de batata em suas terras natais. Assim naquele ano, de reis, equivalentes aproximadamente ao valor de 8.700 sacos de batatas, pelo padrão monetário da época. Este empreendimento recebeu o nome de “Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada dos Produtores de Batata em Cotia”, sendo o seu primeiro diretor Simomoto.
Apesar dos preços e da demanda pelo produto estar em alta nos dois primeiros anos de operação, com a queda dos preços da bolsa de valores nos Estados Unidos da América, os preços no mercado despencaram. Então, Simomoto adotou o sistema de vendas em comum, além de embarcar as batatas via férreas para o Rio de Janeiro e Santos. Em 1932, a ooperativa adotou o sistema de trabalho em três atividades: compra centralizada de insumos agrícolas, vendas das batatas em comum e formação de um fundo para o crédito para seus associados terem aporte de capital para implantar e conduzir suas lavouras. E em 1933, após a promulgação do decreto-lei sobre cooperativas em 1932, foi reformado o estatuto e formado a Cooperativa Agrícola de Cotia.
O crescimento e consolidação
Com a expansão das áreas de produção e do número de agricultores associados da cooperativa, houve a necessidade de implantação de bairros e depois alguns foram subdivididos em distritos. Em cada um deles foi construído um depósito que consistia em uma sala de reuniies e loja de insumo e produtos diversos de uso dos associados, em alguns deles uma misturadora de rações e garagem de caminhões. A partir destes depósitos regionais, uma nova forma de representação foi feita, cada um deles nomeava um representante que era porta voz dos assuntos inerentes a seu bairro junto à diretoria.
Em 1935, foi inaugurado o primeiro Depósito Regional em Vargem Grande (SP) e, dois anos após, formada a Colônia de Santa Cruz no Rio de Janeiro. Além disso, cada depósito ainda tinha atividades complementares como reuniões de jovens e de senhoras. A área de vendas, que foi a primeira seção da cooperativa, teve uma grande expansão de atuação, no Mercado Municipal de São Paulo (Brás), centros distribuidores do Rio e Santos, e foram agregados novos produtos como hortaliças e produtos granjeiros. Na ocasião de seu décimo aniversário, a cooperativa já tinha 1.300 famílias associadas, seis depósitos regionais e comercializava além da batata, tomates, ovos, banana e chá. Trinta anos após, em 1957, tinha cinco mil associados, 1,5 mil funcionários, 50 depósitos e comercializava 40 espécies de produtos em 20 Estados e 10 países. No ano de 1937, foi introduzido o sistema pooling de prestação de contas. Na defi nição são vendas e faturamento em sistema de pool (conjunto), no qual quando a mercadoria entrava na cooperativa, oriundo de um grupo de produtores, esta era classificada por padrões de qualidade. Unifi cadamente era vendida preços diferenciados conforme o padrão, era calculado um pontuação multiplicando o preço alcançado pela quantidade de cada padrão, e após a finalização das vendas do lote era descontado os custos de pooling (cargas, descargas, embalagens, fretes, quebras, provisões, impostos etc), era calculado o valor do ponto e multiplicado o número e pontos de cada associado. Foi um sistema que funcionava em produtos nos quais há grande diferença de qualidade entre e dentro de cada lote, grande número de espécies comercializados e de associados, e que não há como fazer uma mistura para uniformização dos lotes, como é o caso de hortaliças, frutas e produtos granjeiros. Em 1940, os técnicos da cooperativa perceberam que as produtividades das
lavouras de batata estavam ficando comprometidas devido a baixa qualidade da batata-semente plantada, e iniciou um projeto de melhoria da qualidade com a importação de sementes da Europa. Para tanto enviava técnicos para inspecionar os campos de produção nos países de origem, posteriormente, começou a multiplicar estas sementes importadas classes SE e E no país, inicialmente nas regiies do sudoeste paulista e depois passou plantá-las no sul do Paraná, onde o clima era mais ameno e a infestação de bactérias e insetos vetores de vírus era menor. Finalmente chegando Canoinhas e depois Palmas, onde no fi nal da década de 1980 estabeleceu o principal pólo de produção de batata-semente com a instalação de unidade de recebimento, câmaras frias, laboratório de virologia e biotecnologia. Em 1942, devido a movimentos nacionalistas e pelas turbulências ocorridas dentro da colônia nipônica, a assembléia da cooperativa resolveu trocar o presidente e nomeou Manoel Carlos Ferraz de Almeida. Neste mesmo ano, foi implantado os Grupos de Transportes Coletivos (GTC), organizados pelos depósitos regionais para escoarem seus produtos ao mercado e racionalizar o transporte de outros produtos e insumos para seus sítios. Também foi criado em 1945 o Centro de Pesquisa da Cotia em Moinho Velho, e seguido por atividades de transferência de novas tecnologias através da introdução e experimentação de novas variedades e cultivos, e depois pela difusão destes conhecimentos através de revistas, cursos, programas de rádio, clubes de jovens, etc.. Em 1955 foi iniciado o programa Cotia Seinen, em parceria com o governo japonês, para alocar a exedente mão de obra do pós-guerra. No total vieram 2.503 jovens na sua maioria solteiros e que depois se tornaram o maior grupo uniforme de imigrantes japoneses. Os primeiros associados da cooperativa começam a produzir no estado do Paraná, com a instalação de depósitos regionais em Londrina, Assaí, Maringá e mais 16 municípios paranaenses nos anos vindouros. Enquanto isso, na sede começa uma ampliação de exportação de produtos agrícolas, entre 1954 e 1964 o valor das exportaçies aumentou 200 vezes. Em 1957, na comemoração do cinquentenário, ano em que dá início da Organização dos Grupos de Produtor, que gerenciam todos os negócios relacionados dentro de uma mesma cadeia. O primeiro formal foi o Grupo de Produtores de Café do norte do Paraná, junto com os de Chá de Registro e de Banana de Juquiá, anteriormente em atividade embora informalmente. Este grupo tratava de todos os assuntos da cadeia desde a pesquisa, produção, comercialização ao processamento e distribuição, sendo após a cooperativa começou a grande expansão na área de industrialização, óleo, algodão, chá, etc.
Nesta mesma década, aconteceram outros fatos relevantes. Em 1956 assume Gervásio Tadashi Inoue, devido ao falecimento de Manoel Carlos Ferraz de Almeida, e a visita do Principe Mikasa do Japão à cooperativa em 1957, e em 1958 morre Kenkiti Simomoto. Não perca no próximo número:A Cooperativa Agrícola de Cotia, um marco na histórica da batata no Brasil – Parte II = A expansão territorial, verticalização e competividade no mercado, aproximação do limite de crescimento e início da crise e a auto-liquidação.
Homenagem a Nagano Kanzi, pioneiro da região de Canoinhas, na inauguração do Depósito de Canoinhas em 1994
Para saber mais sobre o assunto:
CÉLIA SAKURAI, Os Japoneses, Editora Contexto, S. Paulo, 2008, 368 p.
DRAUZIO L. PADILHA, CAC, cooperativismo que deu certo, Cooperativa Agrícola de Cotia – Cooperativa
Central, S.Paulo, 1989, 365 p.
EDSON A. ASANO, Comercialização na Cooperativa Agrícola de Cotia, capitulo do livro Produção de Batata,
p. 166-170, Linha Gráfi ca e Editora, 1a Edição, 1987.
JACQUES MARCOVITCH, J. O Caso Cotia: Ascensão, queda e esperança, apostila PENSA-FIA-USP, in VI Seminário
Internacional do PENSA, Gramado, 1996, 39 p.
Eng. Agrônomo Elcio Hirano Gerente do Escr. de Negócios de Canoinhas Embrapa Transferência de Tecnologia CP 317, Canoinhas/SC – 89460-000 fone: (47) 624 0127/624 2077 embrapa@unc-cni.rct-sc.br Nos últimos 25 anos muitos fatos marcantes ocorreram...
PARA LER A REVISTA BATATA SHOW EDIÇÃO 37, ACESSE O ARQUIVO PDF: http://www.abbabatatabrasileira.com.br/images/pdf/rbs_37.pdf
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