Atualmente, a traça-da-batata, Phthorimaea operculella (Zeller, 1873), é a praga mais importante da cultura, contribuindo para a redução da produção e para os prejuízos do bataticultor. Esta praga tem distribuição cosmopolita, sendo capaz de infestar tanto a lavoura como o armazém. Seus danos podem ser diretos, ora minando e perfurando a parte aérea (folhas e caule), ora abrindo galerias em tubérculos, e indiretos, quando o tubérculo atacado tem sua vida de prateleira comprometida e quase sempre é colonizado por fungos e bactérias, causadores de podridões, as quais depreciam comercialmente o produto final.
Figura 1 – Sintomas da doença causada pelo vírus de granulose em lagartas da traça.
A) Lagarta sadia e maior (esquerda)
B) Lagarta infectada com hipertrofi a e coloração esbranquiçada do tegumento.
Assim, os danos podem chegar a 100% para tubérculos armazenados ou colhidos tardiamente no campo.
Dentre as várias táticas de controle disponíveis para a traça, o uso de agrotóxicos é praticado quase que exclusiva e indiscriminadamente, sendo que muitas vezes esses produtos não alcançam a efi ciência de controle desejada. Os principais problemas decorrentes do uso de inseticidas químicos consistem no desequilíbrio biológico provocado pela eliminação de inimigos naturais da praga (parasitóides, predadores e patógenos), desenvolvimento da resistência na população, resíduos no produto colhido, intoxicação do próprio agricultor e, consequentemente, insustentabilidade econômica.
O Manejo Integrado de Pragas (MIP) preconiza a utilização de diferentes táticas de controle para compor estratégias de ação contra uma determinada praga. Nesse contexto, o controle biológico é um candidato em potencial a ser empregado em programas de manejo da traça, visto que é um recurso natural inócuo ao homem e ao ambiente. Considerando que toda praga possui pelo menos uma doença que regula sua população, torna-se relevante e muito atraente explorar essa ferramenta no contexto do MIP. Dentre os principais agentes de biocontrole da traça-da-batata, merece destaque uma doença causada por um vírus (GV), denominado de Baculovirus phthorimaea.
Esse vírus é usado com sucesso em vários países, como Bolívia, Peru, Colômbia, Austrália etc., sendo aplicado tanto na parte aérea em lavouras de batata como em batatas-sementes armazenadas, porém não tem recebido a devida atenção no Brasil. Uma grande vantagem desse patógeno se refere à sua utilização em associação com outras formas de controle, sendo compatível aos parasitóides da traça, como Copidosoma koehleri e Trichogramma pretiosum, e até a alguns inseticidas.
Em virtude das vantagens proporcionadas pelo baculovírus, a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP) em parceria com a Associação Brasileira da Batata (ABBA) iniciaram estudos básicos para avaliar o seu potencial no combate à traça-da-batata. As principais atividades realizadas, num período de cinco meses, contemplaram a criação do inseto em laboratório, reativação e produção de lagartas com vírus, caracterização dos sintomas da doença, identifi cação do vírus em microscópio eletrônico de varredura, avaliação da efi cácia de controle do vírus formulado e não formulado sobre lagartas de P. operculella, persistência do vírus póstratamento de tubérculos e elaboração de um sistema-piloto para produção de lagartas doentes em laboratório.
Figura 2 – Formação de pupas de Phthorimaea operculella (% média ± EPM) em tubérculos de batata tratados com diferentes concentrações de Baculovirus phthorimaea
formulado em talco, após 3 semanas da infestação. Obs.: 1) Médias seguidas por
letras distintas diferem entre si pelo teste de Tukey (p=0,05); 2) Letras obtidas pela
transformação dos dados em (x + 0,5)0,2; 3) CV = 12,24%.
Os baculovírus, por serem parasitos obrigatórios, necessitam do hospedeiro vivo para se multiplicar. Assim, é preciso manter uma criação de lagartas de P. operculella para produzir o inóculo (lagarta doente). Somente a fase larval pode ser infectada pelo vírus, quando essas consomem substratos contaminados com partículas virais. A doença, além de provocar a morte do inseto, expressa-se também por meio de efeitos subletais, que afetam o comportamento e ciclo biológico da praga. Dentre esses efeitos, destacam-se a paralisação da alimentação pela praga, redução do seu tamanho e peso e interrupção do seu ciclo de vida, pois lagartas infectadas pelo vírus não conseguem se transformar em pupa ou dar origem a adultos e, portanto, não produzem descendentes (Figura 1). No teste em que foi usado o vírus formulado em pó à base de talco (silicato de alumínio), os tubérculos foram polvilhados com diferentes concentrações desse patógeno sob a forma de pó seco. Comprovou-se que a maior concentração do vírus formulado (5 x 108 grânulos/g) promoveu uma redução de 100% na formação de pupas, e o tratamento apenas com talco foi responsável por 60% de efi cácia, o que sugere de algum modo um efeito sinérgico entre talco e vírus (Figuras 2 e 3).
Figura 3 – Aplicação de Baculovirus phthorimaea formulado em talco sobre tubérculos
de batata. A) Testemunha (água + espalhante adesivo); B) Talco; C) 5 x 102 grânulos
virais/g; D) 5 x 104 grânulos virais/g; E) 5 x 106 grânulos virais/g; F) 5 x 108 grânulos
virais/g.
Quando o vírus foi pulverizado na parte aérea de plantas de batata (var. Ãgata) em diversas concentrações, observou- se que os danos e a formação de pupas foram signifi cativamente inferiores para a maior concentração do vírus (5 x 108 grânulos/mL) em relação aos demais tratamentos, uma vez que altas densidades de inóculo do patógeno causam mortalidade rápida da praga, semelhante à ação de um inseticida químico (Figura 4).
Figura 4 – Efeito de PoGV na formação de pupas (% média ± EPM) de Phthorimaea
operculella, após 14 dias da infestação dos tubérculos (var. ‘Ãgata’) com lagartas recuperadas da parte aérea de plantas de batata. Obs.: 1) Médias seguidas por letras
distintas diferem entre si pelo teste de Tukey (p=0,05); 2) Letras obtidas pela transformação dos dados em (x + 0,5)0,3; 3) CV = 20,57%.
O controle microbiano da traça-dabatata com o baculovírus é promissor do ponto de vista econômico, ecológico e social, pois agrega valor ao produto e tem compromisso com a proteção e conservação do meio ambiente. Um dos maiores gargalos ao desenvolvimento deste projeto em escala comercial assenta- se sobre a necessidade de produzir, em grande escala, o vírus na lagarta viva, o que exige adequada inspeção de qualidade do sistema de produção massal e um sistema efi ciente (baixo custo) de criação do inseto hospedeiro. Outro entrave se refere à barreira imposta pelo próprio bataticultor, calcado numa cultura tradicional imediatista e quimicista de aplicação de agrotóxicos nas suas culturas.
Este projeto está em andamento na ESALQ/USP com apoio da ABBA e terá como imperiosa pretensão levar mais uma tecnologia limpa ao bataticultor. Deve-se frisar também que o vírus não é a única solução, por isso deve ser tratado como mais um componente a ser incorporado em programas de MIP e sua limitação como produto biológico, respeitada e manejada corretamente. Portanto, é de suma importância que mais testes sejam feitos, tanto nas condições de campo como de laboratório, objetivando avaliar a viabilidade desse produto biológico à bataticultura brasileira.
Gabriel Moura Mascarin
mestrando em Entomologia pela ESALQ/USP
gmmascar@esalq.usp.br
Sérgio Batista Alves
Professor Titular de Entomologia da ESALQ/USP;
sebalves@esalq.usp.br
Av. Pádua Dias, 11, CP 9, Piracicaba/SP CEP 13418-900
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