Batata Semente-Brotação de tubérculos de cultivares de batata

Tubérculos de batata recém colhidos não emitem brotação, isto é apresentam os meristemas (gemas ou “olhos”) dormentes devido a fatores fisiológicos endógenos. A dormência (alguns denominam repouso) é definida como o estádio fisiológico no qual não há crescimento visível do broto, mesmo quando colocado em condições favoráveis para o crescimento. O tubérculo recém colhido passa por cinco estádios de brotação ou estádios fisiológicos: 1) dormência: estádio fisiológico induzido pela presença de ácido abscísico (ABA) no qual o tubérculo não brota, mesmo que as condições do ambiente sejam favoráveis para a brotação; 2) dominância apical: apenas uma gema, a apical, que é a gema mais distante do ponto de inserção do estolão no tubérculo, inicia a brotação, inibindo o crescimento das demais. O plantio de tubérculos neste estágio dará origem a menor número de caules por tubérculo, devido à baixa taxa de brotação dos tubérculos-semente. Nessa fase, o tubérculo é conhecido como fisiologicamente jovem; 3) brotação múltipla: cessa o efeito da dominância apical e verifica-se a brotação da maioria das gemas dos tubérculos; 4) intensa ramificação dos brotos: os tubérculos perdem a capacidade de emitir novos brotos vigorosos e os brotos existentes ramificam-se; 5) tuberização: fase avançada de brotação do tubérculo onde há formação de pequeno tubérculo na base do broto. Nessa fase, o tubérculo é conhecido como fisiologicamente velho (Fontes, 2005). A duração das fases enumeradas é controlada por fatores endógenos (disponibilidade de carboidratos e balanço hormonal) e exógenos ou ambientais (temperatura e umidade relativa), sendo ausência de luz, temperaturas entre 15 e 20 ºC e umidade relativa de 90% às condições ambientais ideais para o desenvolvimento dos brotos. O período de dormência dos tubérculos depende da cultivar, temperatura de armazenamento dos tubérculos, da época da safra, estágio de maturidade dos tubérculos no momento da colheita e infecção por microorganismo. Assim, Braun (2007) relata que em temperatura ambiente de 20 a 25 ºC os tubérculos da cultivar agata iniciaram os primeiros sinais da brotação aos 50 dias após a colheita e os tubérculos de Atlantic, Monalisa e Asterix iniciaram a brotação aos 60, 63 e 70 dias, respectivamente. Também o autor mostrou que doses de N não influenciaram o número de gemas brotadas por tubérculo lavados e não lavados, das quatro cultivares de batata (Tabela 1).


Tabela 1: Número de gemas brotadas por tubérculo lavado e não lavado e
armazenado em temperatura ambiente de 20 a 25 ºC, aos 102 dias após
a colheita para çgata e Monalisa, e aos 109 dias para Asterix e Atlantic, em
função das doses de nitrogênio (N)


 



 


A temperatura é o fator ambiental que mais influencia na regulação da dormência e brotação dos tubérculos de batata. Desta forma, os tubérculos da cultivar Bintje brotam entre 60 e 90 dias após a colheita, quando armazenados a 25 ºC, podendo permanecer sem brotar por até 300 dias quando armazenados a 4-5 ºC (Fontes & Finger, 1999). Além do mais, o envelhecimento fisiológico dos tubérculos é retardado quando os tubérculos são armazenados em câmara fria (2-6 ºC). Tubérculos advindos da safra obtida em condições mais frias tendem a apresentar período de dormência maior do que aqueles provenientes de safra colhida em estação quente, em função do atraso na sua maturação. Quando a dormência termina, a temperatura de armazenamento determina a taxa de crescimento dos brotos. Quando armazenados em ambiente com 2 e 5 ºC, pelo período mínimo de duas a três semanas, seguido de transferência para local com temperatura superior a 15 ºC, os tubérculos são estimulados a brotarem, fenômeno conhecido como “efeito do choque térmico”. Entretanto, esse estímulo não produz efeito imediato e muito rápido no tempo. Temperatura inferior a 2 ºC deve ser evitada, porque pode acarretar a formação de broto interno, aparecimento de tubérculos secundários ou defeituosos ou mesmo congelamento do tubérculo. Normalmente, a dormência é quebrada espontaneamente após um período de maturação do tubérculo, resultando no crescimento do broto apical. No entanto, há diversos procedimentos na tentativa de quebra prematura da dormência, entre os quais o “choque térmico”, deixando os tubérculos por certo tempo em baixa temperatura e posteriormente em temperatura ambiente. O armazenamento dos tubérculos em atmosfera contendo reduzida concentração de O2 e alta de CO2 encurta o período de dormência dos tubérculos (Coleman, 1998). É também mencionado o tratamento com produto químico (Colleman, 1987), em imersão ou pulverização. Diversos produtos químicos são listados para quebrar ou reduzir a duração da dormência entre os quais etanol, tiuréia, ácido giberélico, bissulfeto de carbono, brometano e “rindite” (etileno chlorohydrin + dicloroetano + tetracloreto de carbono). Como exemplo, Pogi & Brinholi (1995) utilizaram a imersão de tubérculos em solução de ácido giberélico na concentração de 10 mg/litro ou a aplicação de 200 ml/m3 de brometano ou 30 ml/m3 de bissulfeto de carbono em câmara de armazenamento para liberar vapor químico. Não há evidências do papel da giberelina endógena sobre a quebra da dormência, mas é consistente o seu papel na regulação do subsequente crescimento do broto (Suttle, 2004). O hormônio GA quebra a dormência agindo sobre os processos na gema apical. A aplicação de etanol nos tubérculos provoca aumento nos níveis de NADH (nicotinamida adenina dinucleotídeo) provocando aumento do catabolismo e a rápida regulação (decréscimo) expressão de genes ligados ao armazenamento de carboidrato e proteína e aos relacionados à divisão celular no tecido do tubérculo. Isso leva ao redirecionamento do fluxo da sacarose para a gema apical que, subsequentemente, pode ser responsável pela indução local da atividade celular (Claassen et al., 2005). O efeito inibitório do ABA sobre o crescimento do broto apical é aparentemente posterior aos efeitos do etanol na expressão gênica. O estímulo artificial da brotação com produtos químicos é um recurso possível de ser tentado pelos bataticultores com o propósito de adiantar e uniformizar a brotação. Entretanto, é difícil ser conseguido com eficácia. Há várias razões para a pequena eficácia dos tratamentos de “forçamento da brotação da batata” entre as quais: complexidade das interações fenotípicas e ambientais existentes durante o período de tuberização e dormência; mecanismos de ação do produto ser pouco conhecido ou de difícil modulação; ser prática operacionalmente complicada e de resultados incertos, apesar de ser bastante mencionada em diversas publicações; possibilidade de contaminação por patógenos de todos os tubérculos do lote; necessidade de complexa estrutura física para o tratamento de grande volume de tubérculos. Após a quebra da dormência, ocorre aumento acentuado da respiração para suprir as necessidades energéticas, o que resulta na degradação de reservas, translocação de carboidratos, perda de água por transpiração e, consequentemente, perda de massa fresca dos tubérculos. A brotação é acompanhada por diversas alterações fisiológicas, incluindo redução do teor de açúcar, perda de água, aumento da respiração e conteúdo de glicoalcalóides (Burton 1989). Em contraposição à quebra da dormência é possível inibir a brotação com inibidores da brotação de tubérculos que serão armazenados por período de médio a longo prazo antes de serem utilizados no consumo. Isso é feito devido às mudanças que ocorrem quando os tubérculos iniciam a brotação, pois são prejudiciais às qualidades nutricionais e de processamento da batata. Tanto ácido abscísico (ABA) quanto etileno é necessário para a indução da dormência (Suttle, 2004). Por exemplo, durante o armazenamento a 9 ºC, a exposição contínua de tubérculos de batata a 4 ppm de etileno retardou o aparecimento de brotação e, posteriormente, induziu a formação de brotos mais curtos (Jeong et al., 2002). É certo que para se obter alta produtividade de batata é necessária rápida emergência, crescimento inicial acelerado da planta, estande elevado e desenvolvimento homogêneo do dossel da planta. Para isso, a batata semente deve apresentar brotos curtos e vigorosos, ser plantada em adequada condição de solo e de umidade e não ter a brotação danificada.


 


Literatura Consultada


ASIEDU, S.K.; ASTATKIE, T.; YRIDOI, E.K. The effect of seed-tuber physiological age and cultivar on early potato production. Journal of Agronomy & Crop Science, v. 189, p. 176- 184, 2003. BRAUN, H. Qualidades pós-colheita de tubérculos de cultivares de batata influenciadas por doses de nitrogênio. 2007. 85 p. Dissertação (Mestrado em Fitotecnia) – Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2007. BURTON, W.G. The Potato. 3rd Ed. Longman Scientific and Technical, Essex, p. 470-504, 1989. CLAASSENS, M. M. J.; VERHEES, J.; van der PLAS, L. H. W.; van der KROL, A. R.; VREUGDENHIL, D. Ethanol breaks dormancy of the potato tuber apical bud. Journal of Experimental Botany, v. 56, n. 419, p. 2515- 2525, 2005. COLEMAN, W. K. Dormancy release in potato tubers: a review. American Potato Journal, v.64, p.57-68, 1987. COLEMAN, W. K. Carbon dioxide, oxygen and ethylene effects on potato tuber dormancy release and sprout growth. Annals of Botany, v.82, p.21-27, 1998. FONTES, P. C. R.; FINGER, F. L. Dormência dos tubérculos, crescimento da parte aérea e tuberização da batateira. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.20, p.24-29, 1999. FONTES, P. C. R. Cultura da batata. In: FONTES, P. C. R. (ed.). Olericultura: teoria e prática. Viçosa: UFV, 2005. p. 323-343. JEONG, J.C.; PRANGE, R.K.; DANIELSLAKE, B. Long-term exposure to ethylene affects polyamine levels and sprout development in ëRusset Burbankí and ëShepodyí potatoes. Journal American Horticultural Science, v.127, p.122-126, 2002. POGI, M. C.; BRINHOLI, O. Efeitos da maturidade, do peso da batata-semente e da quebra da dormência sobre a cultivar de batata (Solanum tuberosum L.) Itarare (IAC 5986). Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.30, n. 11, p.1305-1311, 1995. SILVA; J.R.V.; COSTA, N.V.; MORAIS, O.S.; TERRA, M.A.; MARCHI, S.R.; ONO, E.O. Brotação de mini-tubérculos de sete cultivares de batata em função de concentrações de bissulfureto de carbono. Horticultura Brasileira, v. 22, n. 4, p. 677 – 680, 2004. SUTTLE, J.C. Physiological regulation of potato tuber dormancy. American Journal of Potato Research, v. 81, p. 253-262, Jul/Aug, 2004.



Heder Braun – UFV, Doutorando no Depto de Fitotecnia, Bolsista do CNPq, CEP 36570-000, Viçosa (MG), hederbraun@hotmail.com. Agradecimentos a FAPEMIG.


Paulo Cezar Rezende Fontes – UFV, Prof. do Depto de Fitotecnia, Bolsista do CNPq, CEP 36570-000, Viçosa (MG), pacerefo@ufv.br.


Camilo Busato – IDAF, Inst. de Defesa Agropec. e Florestal, Eng Agrônomo, MSc em Fitotecnia, CEP 29700-011, Colatina (ES), camilobusato@yahoo.com.br


Fabrício Silva Coelho – UFV, Mestrando no Depto de Fitotecnia, Bolsista da CAPES, CEP 36570-000, Viçosa (MG), fabricio.coelho@ufv.br

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