Breve Histórico sobre as Variedades de Batatas Utilizadas no Estado de São Paulo

Hilário da Silva Miranda Filho

José Carlos Feltran

Centro de Horticultura – Instituto Agronômico

  1. INTRODUÇÃO

No estudo do histórico das variedades utilizadas pela bataticultura paulista é interessante se ter uma visão, mesmo superficial, sobre a evolução da espécie.

A domesticação das espécies cultivadas produtoras de tubérculos do gênero Solanum ocorreu no altiplano andino em altitudes superiores a 3.000 m. O desenvolvimento a partir de Solanum stenotomum, espécie diplóide e a primeira a ser domesticada, das outras espécies cultivadas, por seleção de mutantes, ou pelo aproveitamento de híbridos naturais, produziu toda uma série de formas, diplóides, triplóides e pentaplóides, que por suas características de resistência a fatores bióticos ou abióticos, bem como pelas de qualidade para consumo in natura ou processado, vieram a satisfazer exigências regionais de produção e consumo.

Todas essas espécies ocuparam e ocupam nichos ecológicos bem definidos, englobando maior ou menor área geográfica. Apenas o tetraplóide S. tuberosum L. ssp. andigena (Juz. & Buk.) Hawkes, ocorre em toda a cordilheira andina, da Venezuela ao Chile. Sua origem, do cruzamento entre S. stenotomum e do S. sparsipilum (Bitt.) Juz. & Buk., levou a uma poliploidização sexual, dando ao produto vigor suficiente para ganhar em competição das outras espécies e capacidade de adaptação a uma maior gama de ambientes. A tuberização no gênero Solanum visou primeiramente o armazenamento de reservas, que permitissem à planta a sobrevivência durante os meses de inverno. O mesmo continuou após a domesticação, sendo o plantio, na zona andina, realizado após as últimas geadas de primavera e a colheita, quando das primeiras de outono, explorando a planta o máximo da energia solar incidente durante o ciclo vegetativo. Em condições de dias curtos, a ssp. andigena é capaz de sensibilizar-se em relação à chegada eminente do inverno, intensificando o processo de tuberização. Assim, a maioria dos genótipos desta subespécie é tardia de ciclo e de tuberização.

Esta capacidade de sensibilização deixa de se apresentar quando cultivada sob dias longos, quando as plantas apresentam desenvolvimento vegetativo exuberante com tuberização ausente ou, no máximo, medíocre. No avanço geográfico da cultura em direção a regiões de latitude mais elevada, a ação da mutação e da seleção de formas adaptadas, levou ao surgimento do S. tuberosum L. ssp. tuberosum Hawkes, característica da região costeira do sul do Chile, especificamente da Ilha de Chiloé. As temperaturas noturnas amenas, essenciais à tuberização, determinadas na cordilheira pelo fator altitude, passam a sê-lo pela latitude. Esta subespécie é neutra em relação ao fotoperíodo, tuberizando sob qualquer comprimento de dia, dependendo seu potencial de tuberização do comprimento do dia e da duração do ciclo vegetativo. A variabilidade genética existente nas variedades primitivas cultivadas no sul do Chile, embora menor que a presente nas formas exploradas na cordilheira, é muito grande.

A batata foi introduzida na Europa, ainda no século XVI, a partir de portos da Colômbia ou do Panamá, ou seja, foram introduzidos genótipos da ssp. andigena. Não foram introduzidos, evidentemente, cultivares selecionados, mas nada leva a crer que a quantidade de material introduzido representasse a variabilidade genética existente na América do Sul. Do mesmo modo que tinha sucedido em épocas muito mais remotas no sul do Chile foram selecionadas, em sucessivas gerações de propagação sexual, genótipos adaptados à condições de dias longos, mas agora baseados em variabilidade genética muito mais estreita. Originaram-se desta seleção formas capazes de sustentar a bataticultura como atividade de importância econômica no continente europeu, e eventualmente em áreas de influência européia de outros continentes, até a metade do sec. XIX.

Adaptada a condições de dias longos, a bataticultura continuou a explorar o ciclo vegetativo máximo, com datas de plantio e colheita sempre ligadas à ocorrência de geadas. O material plantado, contudo, não era da ssp.tuberosum, mas sim, da ssp.andigena, com capacidade de tuberização em dias longos.

A batata, assim como as demais espécies de propagação vegetativa, tende a acumular partículas de vírus em seu material de multiplicação, até que, a contaminação leve a perda completa de sua capacidade produtiva. Desta maneira sempre houve o interesse de melhoristas práticos em desenvolver novas formas cultivadas, a partir da ‘filtragem’ natural que as sementes botânicas apresentam em relação à infecção por vírus. A catastrófica epidemia causada pela Phytophthora infestans (Mont.) de Bary, que praticamente dizimou a bataticultura na Europa na década de 1840, aumentou significativamente esta atividade, não apenas na Europa, mas também nos Estados Unidos. Entre os melhoristas americanos, destacou-se, historicamente, o Rev. Goodrich, que desenvolveu extenso trabalho de melhoramento genético no Estado de Nova Iorque. Como todos melhoristas de plantas, tinha sempre interesse em aumentar suas fontes de variabilidade genética. Foi assim que recebeu do cônsul norte-americano na cidade do Panamá, amostras de tubérculos comercializados naquela cidade importados do Chile. Entre estes, foi selecionado o clone da ssp. tuberosum, ‘Rough Purple Chili’, genótipo de importância praticamente sem comparação nos anais do melhoramento vegetal, uma vez que se encontra na ascendência, com certeza, de todos os cultivares norte-americanos de batata, e, muito provavelmente, na de todos os europeus. O cruzamento deste genótipo e de seus descendentes com os cultivares da ssp.andigena até então cultivados originou produtos que, pela heterose apresentada, eliminaram completamente todos os cultivares pré-existentes, de maneira extremamente rápida.

Esta importância individual de ‘Rough Purple Chili’ apresentou, contudo, a imensa desvantagem de outro estreitamento abrupto na base genética da bataticultura, sendo talvez a causa principal do insucesso relativo do melhoramento genético da batata nos principais centros de melhoramento da Europa ocidental e dos Estados Unidos, onde a despeito do considerável número de novos cultivares oferecidos anualmente à bataticultura, cultivares centenários (Russet Burbank e Bintje) mantém sua importância. O apelo apresentado por estes novos cultivares está mais na maior gama de resistência a problemas sanitários; em características de processamento imediatamente após a colheita, ou, mais frequentemente, após armazenamento a frio; em relação à duração do ciclo vegetativo, tanto para consumo imediato quanto como matéria prima para processamento, do que em sua capacidade produtiva. Assim, existe praticamente o conceito de que ganhos substantivos em produtividade não podem ser obtidos a partir do melhoramento genético, em condições de ciclo vegetativo longo, de 5 a 7 meses.

O mesmo não é verdadeiro para as condições do Estado de São Paulo.

  1. A BATATICULTURA  NO  ESTADO  DE  SÃO  PAULO E AS VARIEDADES UTILIZADAS.

A bataticultura paulista é baseada na exploração do S. tuberosum ssp. tuberosum, através de cultivares desenvolvidos em condições de clima temperado, que quando aqui introduzidos, vieram a preencher em parte os requisitos de adaptação.

Pouco é sabido sobre sua introdução, tendo sido, com certeza, introduzido antes do cruzamento do ‘Rough Purple Chili’ com os genótipos da ssp. andigena adaptados a dias longos. Assim as primeiras variedades cultivadas no Brasil eram, possivelmente da ssp. andigena .

Eventualmente é possível encontrar-se no Brasil, genótipos desse tipo. Um exemplo interessante foi o genótipo reconhecido por nós em Grão Mogol, MG, e posteriormente, mais bem estudado por Joaquim Gonçalves de Pádua, da EPAMIG, que segundo os agricultores do local já era cultivado na região há mais de 150 anos. Possivelmente, seu cultivo seguiu a marcha do diamante, não para alimentar os garimpeiros, mas sim aos os negociantes judeus, que os seguiam. É um genótipo extremamente prolífico, tendo mais do que 40 tubérculos por planta, independentemente do estádio fisiológico do tubérculo-mãe. Se esse tipo de planta for realmente o modelo das primeiras variedades de batata cultivadas no Brasil, fica explicado o nome de “batatinha” dado em algumas regiões aos tubérculos do S. tuberosum.

Com o aumento da imigração, após a abolição da escravatura, a importância da bataticultura cresceu, sendo a atividade mais explorada por imigrantes espanhóis e portugueses. O consumo, praticamente desconhecido pela maioria da população era restrito a camadas específicas da sociedade, como por exemplo, os funcionários britânicos ligados às ferrovias. Daí o nome vulgar de ‘batata inglesa’, ou seja, ‘a batata que o inglês come’. No início do século seu cultivo era restrito a hortas, sendo os primeiros trabalhos com a cultura em São Paulo publicados em 1906,

A Revista de Agricultura 14, SP, número 9, de setembro de 1913, apresenta interessante relatório de B, Lorena, com o diagnóstico da situação da cultura no Estado, então concentrada na região de Campinas, com produção em Indaiatuba, Monte Mor, entre outros municípios. Mostra, mais uma vez, a influência inglesa na incipiente bataticultura paulista, uma vez que todas as variedades exploradas, Up-to-Date, Magnum Bonum e Early Rose são britânicas, embora a batata-semente fosse importada da Alemanha e da Argentina.

A I guerra Mundial interrompeu esse trânsito intercontinental de batata-semente. Essa interrupção do fluxo de material de propagação perfeitamente identificado, fez com que na década de 20, já explorada em maior escala, alcançando a Mantiqueira no ‘Sapecado’, hoje Divinolândia, na fronteira entre os Estados de São Paulo e de Minas Gerais,.os cultivares, ou melhor, as landraces, passassem a ter nomes locais: Branca Cascuda, Caipira de Piedade, Ouro, Paraná Ouro, este último o nome regional do cultivar polonês Industrie..Eram, principalmente, de película e polpa claras, De importância local para o município de Cunha, situado na Serra do Mar, e considerada extremamente resistente a doenças fúngicas de folhagem, a Rim de Porco, caracterizava-se por apresentar película de coloração vermelha intensa. O ‘Santo Graal” das landraces , procurada por muitos e nunca encontrada era a Sabonete, citada aqui e no exterior, como resistente a Ralstonia solanacearum.. Infelizmente todo este material, hoje muito possivelmente sem possibilidades comerciais, mas com certeza, de grande interesse para o melhoramento, foi perdido.

Na década de 30, aumentou em importância a introdução de material proveniente da Argentina, constituído principalmente de cultivares norte-americanos, que recebiam nomes locais como Blanca Mar del Plata, Papa Criolla, Chaqueña, importação está logo proibida pelo péssimo estado sanitário do material importado. Reiniciou-se na mesma década a importação de material europeu, destacando-se os cultivares alemães Konsuragis Allerfrüeste Gelbe, Voran e Ostbote, e os holandeses Bintje, Eighenheimer e Eesrsterling.

Mas, mais uma vez, a Guerra, interrompeu-se a importação da Europa. De repente, a bataticultura viu-se sem fertilizantes, sem defensivos e sem batata-semente .

Em 1946, retornou a importação.

Na década de 50, as principais regiões produtoras já eram as mesmas de hoje, ou seja, as representadas pelas antigas DIRAS de Campinas e a de Sorocaba, com exceção do ‘plantio de inverno’, que se concentrava no Vale do Paraíba.

As grandes importações de cultivares holandeses, principalmente de Bintje, realizadas por agricultores da DIRA de Sorocaba ligados às Cooperativas de Cotia e Sul-Brasil, logo, dada à qualidade culinária apresentado por aquele cultivar e, principalmente pelo bom aspecto de seus tubérculos, com película lisa e brilhante, resistente ao esverdeamento pós-colheita, foram determinantes no estabelecimento das classes de comercialização: ‘batata lisa’ para Bintje, e ‘batata comum’, para os demais cultivares.

Teoricamente, toda a importação anual de batata-semente destinava-se exclusivamente á produção de mais uma geração de batata-semente. Medidas legislativas obrigavam a importação da classe básica E (Elite), embora seu potencial de produção não superasse o da classe certificada B, muito mais barata. Na prática, todo o plantio da semente importada destinava-se ao consumo direto, sendo retido como material de propagação apenas tubérculos de pequenas dimensões e apenas por uma geração de multiplicação vegetativa, o que reduzia a importância das moléstias de vírus. A susceptibilidade do cultivar a moléstias fúngicas de folhagem era controlada por esquemas intensos de tratamentos fitossanitários. Estas práticas associadas à utilização de elevadas doses de fertilizantes, ao emprego da irrigação, sendo a rotação de cultura obrigatória para a minimização da importância da ‘muchadeira’, causada pela Ralstonia solanacearum, levava a produções relativamente altas, superiores a 15 t/ha, em um ciclo vegetativo entre 90 a 100 dias.

Embora dominasse completamente o mercado, a Holanda nunca esteve completamente satisfeita com a predominância da Bintje. Tanto é que anualmente, novos elencos de novas variedades ou clones avançados eram apresentados para o julgamento tanto por parte dos produtores quanto por pesquisadores do sistema de pesquisa do Estado de São Paulo. O próprio ‘Centro Holandês de Informações sobre a Batata-Semente’, dirigido em São Paulo pelo sr. Frederick Elema e tendo como ‘homem de campo’ o engenheiro-agrônomo Kazuo Katayama, futuro presidente da Cooperativa Agrícola de Cotia, mantinha uma rede de experimentos e campos-de-demonstração desde a Paraíba ao Rio Grande do Sul. Desse trabalho, foram selecionadas, entre outras, as variedades Radosa, Baraka, Marijke, que por suas qualidades agronômicas e culinárias, tiveram importância na bataticultura paulista, sem ameaçar  a preponderância de Bintje.

A DIRA de Campinas tinha sua bataticultura baseada no cultivar alemão Delta. Este foi lançado em 1950, mas já em 1955 foi retirado do catálogo de cultivares, sendo mantido no Brasil pelos próprios produtores. O fator determinante na importância de Delta  na bataticultura paulista foi sua tolerância ao ‘vírus do enrolamento da folha’ (PLRV), ou seja, sua capacidade de apresentar produções razoáveis, mesmo quando completamente contaminada. Mesmo em condições favoráveis o potencial de produção era bastante limitado, não respondendo a cultura, em produtividade, à intensificação do uso de insumos modernos.  A exploração de Delta era feita da seguinte maneira: ‘plantio da seca’, realizado em fevereiro, em altitudes superiores a 900m; sem irrigação; com adubação de 1:1, ou seja, se empregando quantidades iguais de fertilizante e de batata-semente; com no máximo 3 ‘sulfatações’ durante o ciclo, que raramente atingia a 90 dias. As produtividades eram muito baixas, na ordem de 6 t/ha, sendo o principal motivo do plantio a obtenção de material de propagação em estádio fisiológico adequado para o ‘plantio das águas’, realizado a partir de setembro. Este, acompanhava praticamente o mesmo pacote tecnológico, e sua produtividade era dependente da quantidade e distribuição das chuvas, e a maior ou menor presença da R. solanacearum no material de propagação. Um campo razoável atingia cerca de 12 t/ha, em um ciclo entre 90 a 100 dias. A tolerância é uma característica muito afetada pelo ambiente: lotes de batata-semente igualmente contaminados tem um comportamento de manifestação de sintomas completamente diferente se plantado em altitude superior a 900m, em solo fértil, ou se plantado em solos de menor fertilidade, em condições climáticas adversas. Era muito difícil acreditar-se que aquelas plantas no massapé da serra, bem desenvolvidas, com quase um metro de altura, tendo como sintomas do PLRV apenas uns pouco folíolos baixeiros levemente encanoados, tivessem a mesma origem das quase rasteiras, totalmente arrepiadas, que mal sobreviviam nas areias do Arenito de Botucatu.

Mais do que a metade da área destinada à produção de batata-semente era perdida devido ao ataque da ‘murchadeira’.

Com a retirada da Delta do catálogo alemão em 1955, as exportações  alemãs de batata-semente sofreram queda violenta. Tentou-se contornar a situação com a alteração do nome do cultivar , também alemão, Arensa. Esse passou, para o mercado brasileiro, a ser chamado de Delta-A, uma ‘Delta’ melhorada. Sua passagem pelas bataticulturas paulista e brasileira foi meteórica.

Tentando resolver a situação de seus cooperados plantadores de Delta, a CAC entrou em entendimentos com a Alemanha para que, por cultura de tecidos fosse ‘limpa’ a Delta e se retomasse sua exportação ao Brasil. A Alemanha concordou desde que fosse estabelecido um volume mínimo de produção, o que a Cotia não aceitou.

Foi procurada então a Suécia, que fez o trabalho e foi reiniciada a produção de Delta, agora com o nome de Delta-S. Então, de repente, nos vimos coalhados de Deltas A, S e C, porque as Deltas que não deixaram o Brasil receberam essa letra diferencial.

Em um patamar tecnológico intermediário, o ‘plantio de inverno’, realizado em cerca de 2.000 ha, no Vale do Paraíba, com batata-semente produzida na Serra da Mantiqueira, e irrigado por levantamento do lençol freático, explorava cultivares de procedência alemã, Gunda, Hydra, Tondra, entre outros. O desenvolvimento vegetativo das plantas era exuberante, o que levava aos produtores ao uso de espaçamento de 90 cm entre linhas. Sua produtividade, inclusive devido ao ciclo de 100 a 110 dias, superava à das outras regiões produtoras, mas o aspecto escuro dos tubérculos produzidos em solo orgânico, seu baixo teor de matéria seca e a consequente susceptibilidade à podridões, deixavam o produto com baixo valor comercial, sendo a produção destinada ao mercado do Rio de Janeiro.

Esta situação perdurou até a década de 70, sendo que a produtividade média estadual era cerca de 12 t/ha. Em 30 anos a produtividade da bataticultura no Estado de São Paulo praticamente dobrou, passando para cerca de 30 t/ha. Os principais fatores que determinaram este progresso foram: a introdução do cultivar alemão Achat; a intensificação da prática da irrigação; o aumento da importância relativa do ‘plantio de inverno’; e a melhoria da qualidade do material de propagação utilizado.

Achat? O que é e de onde veio?

Incomodados com o domínio holandês do mercado da batata-semente no Brasil, a Alemanha decidiu revidar. Aproveitando-se da iniciativa de sucesso da Cotia, de transformar a região de Canoinhas, em Santa Catarina, em um polo de produção de batata-semente, lá instalou uma infraestrutura para, não só auxiliar a atividade, mas também ser a porta de entrada das variedades alemãs no Brasil. Mas erraram, tentando colocar o carro na frente dos bois. Introduziram dezenas de variedades, e propuseram aos agricultores um sistema de trocas da batata-semente importada por um número maior de volumes de batata-semente nacional.

Como regra geral, variedades alemãs de batata, dado principalmente a sua maior variabilidade genética, com ampla contribuição das outras espécies de Solanums produtoras de tubérculos primitivas cultivadas, ou mesmo selvagens na sua ascendência, são muito mais tolerantes/resistentes a fatores de estresse bióticos ou abióticos, que caracterizam a produção de batata no Brasil. Pelo mesmo motivo não tem as mesmas qualidades comerciais de brilho da pele e resistência ao esverdeamento. Por desconhecerem a maior facilidade de produção, o material foi tratadol como Bintje pelo produtor de batata-semente, vendido por um preço inferior ao de Bintje para o produtor de batata-consumo em São Paulo, onde os fatos se repetiram. E assim, um número elevado de genótipos potencialmente desejáveis pela bataticultura paulista foi eliminado. Mas entre eles estava Achat.

Como sobreviveu? Resistente à murcha de Ralstonia solanacearum!

Os primeiros campos de Achat, plantados ‘na seca’, devem ter tido um comportamento agronômico inferior aos de Delta, principalmente devido à intolerância por ela apresentada ao calor. No entanto sua resistência, real e efetiva, à R. solanacearum fez com que os agricultores passassem a ter um superávit na produção de batata-semente, em uma época em que medidas governamentais favoreciam a aquisição de equipamentos de irrigação. A exploração de Achat, sob regime irrigado, no ‘plantio de inverno’, onde suas limitações em relação à temperatura são minimizadas, possibilitou o alcance de produtividades até então não atingidas no Estado de São Paulo. Achat é uma planta de porte baixo e que, embora susceptível à ‘pinta preta’, causada por Alternaria solani (Ellis & Martin) Sorauer, apresenta bom nível de resistência à ‘requeima’, causada pela Phytophthora infestans. Estes dois fatores permitem que a população de plantas por hectare seja possa ser de até 55.000 plantas, superando em mais do que 30% a população normalmente explorada nos plantios de Bintje. A produtividade de um campo bem conduzido de Achat, podia superar 35 t/ha, ou seja ter uma produção de 350 kg/ha/dia. Tal nível de produtividade, no entanto, só era conseguido com adubações pesadas, acima de 3,5 t/ha de fórmula 4-14-8, e com controle realmente eficiente da ‘pinta preta’ e da ‘mosca minadora’ (Liriomyza sp.), o que vem a onerar o custo de produção. Além disso, o teor de matéria seca apresentado pelos tubérculos de Achat é baixo, tornando-os impróprios para serem consumidos na forma de ‘batata frita’. A importância relativa de Achat em seu país de origem é praticamente nula. Talvez esta seja a causa da queda de qualidade, ocorrida em dois anos consecutivos, no material básico importado, onde lotes apresentaram mais do que 30% de contaminação com o strain ‘o’ do vírus Y da batata (PVYo). Esse problema foi  determinante na redução da importância relativa da exploração de Achat no Estado de São Paulo, hoje praticamente extinta.

O principal desenvolvimento tecnológico ocorrido durante o período na  cultura de Bintje, na DIRA de Sorocaba foi em relação à produção de batata-semente sob o regime de certificação. O plantio do material básico importado nos meses de inverno, após frigorificação entre o seu recebimento e a data de plantio, assim como da maior parte do material de primeira geração de propagação vegetativa no país, veio a reduzir em muito o porcentual de campos condenados pela presença da R. solanacearum. A utilização de maior número de multiplicações entre a importação e o plantio para consumo veio, necessariamente, a reduzir o custo real do material de propagação utilizado. A racionalização da produção de batata-semente serviu para que maior atenção seja dada a outros fatores de produção, contribuindo para que numerosos produtores tenham abandonado a ‘economia do desperdício’, que sempre caracterizou a bataticultura. No entanto, o custo de produção de Bintje , pela sua susceptibilidade a todos os principais problemas de ordem sanitária limitantes à cultura sempre será alto, e sua capacidade produtiva em um ciclo inferior a 100 dias sempre será limitado.  

Durante curto período de tempo o mais importante cultivar para a bataticultura brasileira foi Monalisa, de origem holandesa, valorizado pelos agricultores pelo seu maior valor comercial, mas que tem como principal característica sua resistência ao PLRV e ao  ‘vírus do mosaico’ (PVYn) o que facilitou a produção de seus tubérculos-semente. Com teor inferior de matéria seca, tem produtividade marcadamente superior ao de Bintje, com o mesmo ciclo vegetativo. Produções equivalentes ou mesmo superiores às de Monalisa foram conseguidas com o cultivar holandês Mondial, mas com teor de matéria seca ainda inferior àquele, sendo extremamente susceptível à ‘requeima’ e ao PLRV.

De capacidade produtiva ainda maior que o de Monalisa e menor ciclo vegetativo encontra-se Ágata, cultivar hoje dominante em praticamente  todas as regiões de produção de São Paulo e do Brasil. Tem resistência ao PVY semelhante ao de Monalisa e, por características de estética, maior valor comercial. Tem, contudo, o menor teor de matéria seca entre os cultivares em exploração. Essa variedade foi causadora do extremamente alto aumento na produtividade média das bataticulturas paulista e brasileira, onde valores superiores a 50 t.ha-1 não são incomuns, o que representa 500 kg por dia de ciclo, uma marca não atingida em nenhum dos principais centros de produção de batata no mundo.

O emprego de variedades de película avermelhada, antes restrito ao Estado do Rio Grande do Sul, passou a ter maior importância no resto do país com a introdução de Asterix, que apresenta teor satisfatório de matéria seca para frituras doméstica e industrial, na forma de palitos (french fries). É a principal variedade explorada pela crescente indústria de batata pré-frita congelada, forma de processamento de enorme importância atual e potencial. Tem, contudo, como fatores de restrição uma intolerância ao calor, semelhante à existente em Achat, além da susceptibilidade ao PVY e à requeima.  

O cultivar norte-americano Atlantic, com material básico de propagação inicialmente importado do Canadá, é explorado por fornecedores de indústrias que processam a batata na forma de ‘rodelas frita’(chips). Tem excelentes qualidades culinárias e de processamento, mas é de difícil produção em condições de campo, inclusive por sua susceptibilidade ao PVY, presente já no material importado. Esta característica desvantajosa é tão marcante, que causou uma alteração na epidemiologia desta moléstia na bataticultura brasileira.

Os agricultores que ainda se utilizam da importação, com exceção dos de Atlantic tem uma faixa de multiplicação real, (quantidade de ‘semente’ plantada para consumo / quantidade importada) superior a 80:1.

A despeito desse valor expressivo, a importância da importação, como fornecedora de material básico para a produção de batata-semente, decresceu de forma abrupta nos últimos 15 anos, em benefício da produção de material pré-básico em condições controladas (casas-de-vegetação) a partir de plântulas provenientes de micro-propagação produzidas em laboratório. As principais causas dessa alteração foram o custo do material importado e o aumento de problemas sanitários, principalmente os ligados a moléstias afetando a película dos tubérculos-semente importados.

  1. PERSPECTIVAS

É indiscutível a importância que as variedades européia tiveram no desenvolvimento da bataticultura paulista. Essa, se existisse, sem a utilização de variedades como Delta, Bintje, Achat, Monalisa e Ágata, apenas citando as que por maior ou menor período dominaram a atividade, seria totalmente diferente e, possivelmente, muito inferior tecnologicamente àquela que está hoje presente.

Toda essa pujança, contudo, está intrinsecamente relacionada ao uso de insumos nas quantidades citadas em relação à Achat e Bintje, com o consequente alto custo de produção.

O aumento de produtividade verificado pela substituição de Bintje por Ágata só foi conseguido pela redução do teor de matéria seca do material produzido. Seria possível conseguir-se aumento similar, ou ainda maior, sem essa perda de qualidade com variedades importadas?

Infelizmente, a resposta é negativa.

A produtividade da batata e sua qualidade intrínseca está diretamente relacionada à duração do ciclo vegetativo. Genótipos selecionados para dias longos, quando plantados em regiões onde a maior duração do dia não ultrapassa 13 horas, terão seu ciclo reduzido expressivamente. Em outras palavras, uma variedade que no Brasil vegeta não mais que três meses, na Europa ocidental vegetaria quatro, cinco meses ou mais.  Uma variedade que vegetasse mais do que 120 dias no Brasil nunca seria selecionada nos principais centros de melhoramento, uma vez que teria seu ciclo interrompido por geadas, antes da seca natural das ramas.

Novas variedades importadas, originadas de centros de melhoramento para os quais os principais fatores de restrição à produção existentes no Brasil não são critérios prioritários de seleção teriam, na melhor das hipóteses, comportamento similar aos atuais. Esses não foram criados para o Brasil. Sua escolha foi feita pelos produtores de batata brasileiros, entre as centenas, ou talvez milhares de variedades introduzidas e testadas em nossas condições, a maioria das quais depois da existência na Europa do direito dos melhoristas de planta.

O melhoramento nacional da batata demonstrou que é possível a seleção de genótipos de ciclo longo, mas precoces de tuberização, com capacidade produtiva e resistência a fatores de estresse superior ao de importados e de qualidade, em relação ao teor de matéria seca, similar ao dos melhores. Como não é possível conjugar-se essas características ao brilho da pele exigida pelo mercado in natura, o esforço paulista no melhoramento deve se concentrar em desenvolver variedades adequadas ao processamento.

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