Compactação do Solo: um prejuízo pouco percebido

Carlos Francisco Ragassi

Embrapa Hortaliças

A compactação é um processo de adensamento do solo, ou seja, de redução do espaço poroso existente entre as suas minúsculas partículas minerais, que ocorre frequentemente abaixo da camada de solo preparada, escondida dos olhos, a uma profundidade em torno de 20 cm (Figura 1).

figura 1

Figura 1. Compactação do solo em camada abaixo da profundidade em que o preparo de solo foi realizado (20 cm)

Para entender como a compactação se forma, é necessário compreender o processo que mantém o solo tropical produtivo, livre de compactação, em um ecossistema intacto. No ecossistema, o solo recebe depósitos de folhas e outras partes dos vegetais sobre sua superfície em grande quantidade e durante o ano inteiro. Além disso, raízes de diferentes espécies crescem continuamente em diferentes faixas de profundidade, exsudam substâncias que alimentam toda uma diversidade de microrganismos benéficos e constroem poros, que permanecem abertos depois que essas raízes se decompõem.

A matéria orgânica do solo (MOS) associada às substâncias produzidas pelos microrganismos do solo atuam como uma cola que agrega as partículas do solo, formando a chamada estrutura do solo. Quando um ecossistema é convertido para o sistema de produção agrícola com baixa deposição de restos vegetais, como o sistema de produção de batata, o teor de MOS passa a reduzir com o tempo. A velocidade em que o solo tropical perde matéria orgânica chega a ser 10 vezes superior à de um solo em clima temperado. Quando se prepara mecanicamente um solo pobre em matéria orgânica com uso de enxada rotativa, grade e/ou arado, as partículas de solo se desprendem dos agregados e se acumulam abaixo da camada de solo preparada, formando ali uma camada adensada, também conhecida como pé de grade ou pé de arado. Quando o solo está excessivamente úmido, sua estrutura está ainda mais fraca e, portanto, a realização de operações mecanizadas, nestas condições, pode compactar o solo ainda mais drasticamente.

As consequências da compactação do solo na cultura da batata são inúmeras. O movimento de água e de ar se torna restrito e sua disponibilidade às plantas limitada. As raízes não se desenvolvem e não penetram bem no solo e, assim, ficam localizadas superficialmente (Figura 2).

figura 2

Figura 2. Crescimento superficial e lateral da raiz em decorrência de compactação do solo

O sistema radicular superficial tem capacidade limitada de obter nutrientes e de resistir a períodos de estresse hídrico e, dessa forma, as plantas se tornam menos vigorosas e a qualidade e o rendimento de tubérculos são prejudicados. Há, ainda, relatos de podridões radiculares associadas à compactação e posterior encharcamento do solo. A alta umidade leva à formação de um filme de água sobre o tubérculo e faz com que sua superfície se torne anaeróbica, fato que inibe a sua resistência natural às infecções, devido à abertura das lenticelas, além de estabelecer um ambiente favorável a doenças bacterianas.

Além disso, uma das consequências da compactação é a formação de torrões grandes, que prejudicam a emergência das plantas, assim como a colheita mecanizada (Figura 3).

A remoção definitiva da compactação não é um procedimento simples e exige a associação entre processos mecânicos e biológicos. O processo mecânico é o rompimento da compactação, por meio de subsolagem ou outra operação profunda de preparo, que seja capaz de atingir profundidade até a qual a compactação se estende (geralmente de 50 a 60 cm de profundidade), e o processo biológico consiste em realizar a rotação ou sucessão com culturas altamente capazes em produzir palhada e raízes.

figura 3

Figura 3. Torrões grandes de solo prejudicando a emergência da cultura e a colheita mecanizada

Os resultados são ainda melhores quando a cultura de rotação é cultivada logo após o rompimento mecânico da compactação, pois o seu alto crescimento radicular permite que o solo descompactado seja estruturado (estabilizado). A alta produção de raízes, associado à alta deposição de palhada, em torno de 20 t/ha de matéria seca, reativa gradativamente os processos biológicos que mantêm o solo produtivo, além de recuperar o teor de MOS, aumentando a fertilidade.

A cultura a ser utilizada em rotação ou sucessão com a batata deve atender ao maior número possível dos seguintes critérios: a) produzir quantidade suficiente de palhada, em torno de 20 t/ha de matéria seca, e apresentar crescimento vigoroso do sistema radicular (características tipicamente apresentadas pelas gramíneas tropicais, tais como milho, milheto, sorgo e as gramíneas forrageiras em geral); b) apresentar suscetibilidade a pragas e doenças diferentes das que atacam a batata; c) permitir a diversificação de princípios ativos e mecanismos de ação de herbicidas, inseticidas e fungicidas, visando evitar a seleção de espécies/biótipos tolerantes/resitentes; d) minimizar o tempo em que a área permanece sem culturas vivas e e) resultar em renda direta pela produção de grãos ou sementes. Esse último aspecto é ainda mais importante quando se considera o cultivo em área de pivô central, situação em que os custos fixos tornam necessária a obtenção de renda em praticamente todos os cultivos realizados durante o ano.

Experimentos já foram conduzidos no sentido de validar a utilização de sistemas de preparo de solo que associam a descompactação profunda ao cultivo de gramíneas tropicais para a melhoria do solo. Na chapada Diamantina, município de Ibicoara-BA, Joukhadar (2006) obteve rendimento de tubérculos até 36,9% superior no sistema experimental (34,9 t/ha) em relação ao sistema convencional (25,52 t/ha). Na mesma localidade, Mitsuiki (2006) obteve rendimento total de tubérculos no sistema experimental de 50,6 t/ha, 17% superior em relação ao preparo de solo convencional (43,0 t/ha). Nesse último estudo, a massa de torrões de solo colhidos junto com os tubérculos na colheita mecânica foi 250% superior no sistema convencional (3,0 t/ha), em relação ao sistema experimental (1,2 t/ha).

Nas condições de Piracicaba-SP, um experimento de longo prazo foi conduzido pelo grupo PACES (Projetando Agricultura Compromissada em Sustentabilidade), da ESALQ/USP. Nesse estudo, o preparo profundo de solo associado a três diferentes gramíneas tropicais (milho, Panicum maximum cv. Tanzânia e Brachiaria brizantha cv. Marandu) foi avaliado em comparação ao sistema convencional. Os dados de produtividade da batata cultivar Atlantic, obtidos durante 6 ciclos de sucessão (gramíneas – batata), extraídos da dissertação de Costa (2014) são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1. Produtividade total de tubérculos em sistema de preparo profundo de solo (PP), associado a três diferentes gramíneas tropicais, em comparação ao preparo de solo convencional (PC), associado à cultura do milho.

tabela 1

¹Médias e análise estatística extraídas de Ragassi (2009). ns= não significativo a 5% de probabilidade; **= significativo a 1% de probabilidade; *= significativo a 5% de probabilidade. Médias seguidas por letras distintas são estatisticamente diferentes entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

Em resumo, ressalta-se que a compactação é um processo de degradação do solo que ocorre, normalmente, abaixo da camada de solo preparada, onde os olhos do produtor não enxergam. É, portanto, um processo “silencioso”, que reduz gradativamente o potencial produtivo do solo. Por outro lado, a descompactação profunda, associada ao cultivo de plantas com alta produção de palha e raízes pode reverter gradativamente o processo de degradação, devolvendo (e até ampliando) a capacidade produtiva do solo.

 

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