Arione da Silva Pereira arione@cpact.embrapa.br Pesquisador – Embrapa Clima Temperado C.P: 403. CEP: 96.001-970 Pelotas, RS
A batata (Solanum tuberosum spp tuberosum) foi introduzida da Europa pelos imigrantes que vieram para o Sul do Brasil, no século XIX. O melhoramento genético, propriamente dito, foi iniciado no País em 1942, no município de Rio Grande (RS), na Estação Experimental de Horticultura, da Secretaria de Agricultura – RS. Este programa contribuiu para o desenvolvimento de diversas cultivares, que tiveram boa aceitação no Rio Grande do Sul. No entanto, o programa foi finalizado devido à infestação de murchadeira (Ralstonia solanacearum) no campo experimental daquela estação.
Ainda na década de 40, iniciaram-se dois outros programas concomitan-temente, sendo um em Pelotas (RS), no extinto Instituto Agronômico do Sul (IAS), atualmente Embrapa Clima Temperado, e outro em Campinas (SP), no Instituto Agronômico de Campinas – IAC. Ambos os programas lançaram diversas cultivares. Entre elas, a Baronesa, lançada em 1955 pelo IAS, obteve o maior êxito e, ainda hoje, predomina nas lavouras de batata do Rio Grande do Sul. A cultivar Aracy, lançada pelo IAC, teve alguma repercussão em São Paulo. Programas de outras instituições, Embrapa Hortaliças, Instituto Agronômico do Paraná – Iapar, Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig, Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina – Epagri, iniciados posteriormente, também lançaram cultivares no mercado. Avanços – Em todo o mundo, o melhoramento genético de batata tem tido pouco sucesso quando comparado a outras culturas. A natureza genética (tetraplóide) e a forma assexual de reprodução da batata cultivada comercialmente tornam o seu melhoramento complexo e consumidor de muito tempo e energia. As cultivares de batata são geneticamente uniformes, mas o intercruzamento entre duas cultivares gera progênie que pouco pode lembrar os pais, sendo a principal razão para o progresso lento. Além disso, uma cultivar moderna precisa combinar dezenas de características. Mas mesmo assim, muito progresso tem sido feito. Muito embora o melhoramento de batata tenha recebido pouco investimento no Brasil, pode-se considerar que houve sucesso no que se refere a cultivares liberados e, principalmente, na melhoria de germoplasma. Foram desenvolvidos muitos clones e cultivares com adaptação agronômica às condições subtropicais brasileiras, com elevado potencial de utilização para os programas de melhoramento. Houve uma importante contribuição da Embrapa, Emgopa, Epagri, Epamig, Fepagro, IAC, Iapar, UFLA e, mais recentemente, da UFSM no melhoramento de batata. Infelizmente, em geral, a magnitude desses programas não aumentou. Pelo contrário, alguns deles estão em ritmo muito lento ou foram paralisados.
Embora os grandes avanços em cultivares de batata no Brasil tenham sido consequência de introduções notadamente da Europa, onde o clima é temperado propriamente dito, o lançamento da Baronesa foi uma significativa contribuição da pesquisa nacional. Outras cultivares brasileiras tiveram pequeno impacto positivo no setor produtivo. Inicialmente, o esforço do melhoramento nacional foi centrado na obtenção de cultivares com alto potencial produtivo e rusticidade, incluindo boa resistência de campo a doenças e pragas e menor exigência em fertilizantes. A partir da década de 90, as características de qualidade culinária e industrial foram destacadas nos esquemas de seleção, resultando na liberação das cultivares Cristal e Pérola, pela Embrapa, e Catucha, pela Epagri-Embrapa, representando avanços em relação à qualidade de fritura. As cultivares nacionais têm se apresentado como as melhores opções para os sistemas de produção orgânica ou ecológica. Demandas – As mudanças no estilo de vida e nos padrões de consumo estão tendo um impacto direto no nível de consumo de batata e no tipo de produto preferido pelos consumidores. O mercado está demandando batatas com características mais específicas, principalmente relacionadas à qualidade culinária e ao processamento industrial. Em função disto, os padrões das cultivares estão mudando. Afora o Rio Grande do Sul, o padrão de qualidade de mercado estabelecido a partir da batata Bintje, cujas características de aparência de tubérculo (tamanho médio, formato alongado, olhos rasos e película amarela clara, lisa e brilhante), constituem a preferência do consumidor. No entanto, enquanto a Bintje apresenta também as qualidades culinárias demandadas pelo mercado de batata de pele clara, a Monalisa, que atualmente é a cultivar mais plantada no País devido à excelente aparência de tubérculo e ao alto potencial produtivo, apresenta fraca qualidade culinária. Para os consumidores gaúchos, a preferência é por batata de pele rosa. Mesmo que no Rio Grande do Sul a Baronesa seja ainda a principal cultivar, o mercado tem preferido a Asterix, devido à sua melhor qualidade comercial (cor, brilho e uniformidade) e aptidão à fritura. Não fossem as dificuldades de produção dessa cultivar no RS, no que se refere, principalmente, ao manejo de brotação e ciclo mais longo, talvez já tivesse ultrapassado a Baronesa em área plantada no RS. Em suma, a grande demanda é por cultivares que, além de alto potencial produtivo, possuam tubérculos assemelhados à batata Bintje, tendo película amarela ou rosa (RS), boa aptidão ao preparo de palitos fritos, boa resistência de campo às principais doenças e pouco exigente em fertilizantes, resultando em materiais que no processo produtivo tenham menores custos e menos impactos negativos ao ambiente e ao homem. Outro mercado crescente de batata referese ao de processamento industrial, cuja viabilidade está dependente de batatas de qualidade específica e custo de produção competitivo. No entanto, em relação à fabricação de batatas fritas em fatias finas (“chips”), a matéria-prima é a cultivar Atlantic, pela excelente qualidade (alto teor de matéria seca e excelente cor de fritura), a qual, entretanto, é suscetível ao coração oco, chocolate, sarna comum e ao PVY, exigindo renovação constante de semente. Ainda não foi estabelecida no País a indústria de processamento de batata na forma de palitos pré-fritos congelados, muito embora se apresente como uma ótima oportunidade para aumentar o mercado para produção de batata brasileira. Segundo as indústrias, para essa finalidade, são necessárias cultivares de batata de formato longo (ideal: comprimento de 8 cm, relação C/L ³ 1,8); teor de matéria seca, 20-24% (equivalente ao peso específico de 1,080-1,095); teor de açúcares redutores, <0,4%; não devem apresentar defeitos de origem fisiológica ou patogênica; alta produtividade (40t.ha-1); além de custo de produção compatível com os praticados internacionalmente. A despeito da fundamental importância para atingir o nível atual da bataticultura brasileira, as cultivares introduzidas apresentam muitas deficiências, exigindo manejo muito apurado e gastos em fertilizantes e pesticidas, resultando em custos muito elevados para produção. Também crescem as demandas por cultivares para utilização em sistemas de agricultura sustentável, orgânica ou ecológica, com tubérculos de boa qualidade em aparência e culinária. Perspectivas – Neste milênio, é fundamental considerar o melhoramento genético de batata na perspectiva de que o produto assumirá um papel ainda mais importante na nutrição humana, como uma fonte de alimento adequada, sustentável e de alta qualidade para as populações do planeta, num ambiente de aumento demográfico e de mudança climática. Percebe-se uma expectativa generalizada entre os produtores de que novas alternativas de cultivares às importadas aportem dos programas brasileiros de melhoramento. Isto se aplica a todos os perfis de produtores, tanto empresários como pequenos agricultores, seja para o mercado de mesa ou processamento industrial, seja para o sistema tradicional ou orgânico. Certamente, em muitos aspectos, o Brasil tem um longo caminho a percorrer no melhoramento genético para desenvolver cultivares de batata capazes de atender à cadeia produtiva da cultura. No entanto, resultados experimentais têm indicado que a maioria das cultivares nacionais apresenta melhor adaptação às condições ecológicas e tecnológicas, odendo competir com as estrangeiras, com vantagem em produtividade e custo de produção, quando se trata de cultivares para mercados menos exigentes e para produtores menos tecnificados. O desafio é muito maior quando se trata de desenvolver cultivares com tubérculos de alta qualidade em aparência, características culinárias e para processamento. Tem sido afirmado que a dificuldade é combinar, em uma mesma cultivar, elevado potencial produtivo, resistência à maioria das doenças e pragas existentes no Brasil e bom teor de matéria seca, com pele brilhosa. A cultivar Eliza, lançada em 2001 pela Embrapa, é um exemplo de que isso pode ser obtido. Para vencer este desafio e atender às expectativas do agronegócio da batata de maneira eficaz, é fundamental a utilização de equipes multidisciplinares de pesquisa. Dada à escassez de equipes completas nas instituições, cobrindo as diferentes áreas de conhecimento, é importantíssimo, como tem sido apontada por outros pesquisadores, a integração em um trabalho, incluindo organizações de produtores, quer seja na forma de Rede ou Consórcio de Pesquisa ou de Programa Cooperativo, para efetivamente ampliar as chances de sucesso. Para estabelecer tal organização é necessário um significativo apoio de recursos financeiros de organismos de fomento, visando garantir a realização dos trabalhos devidamente definidos com a participação da cadeia do agronegócio da batata. É interessante frisar que existe nas instituições públicas brasileiras uma qualificada e experiente massa crítica de pesquisadores, com formação em centros de excelência internacional, grupo de apoio experiente, infraestrutura razoável e germoplasma melhorado, bem como uma distribuição estratégica das instituições nas principais regiões produtoras. Todo este potencial humano e material, integrado em um programa, contando com cooperações já existentes de grupos de cientistas de outros países, e apoiado financeiramente, de forma continuada, resultaria certamente em importantes contribuições de cultivares demandadas pelo mercado. Exemplos de sucesso de trabalho cooperativo têm demonstrado estas possibilidades. Até aqui, apresentou-se o desenvolvimento de cultivares por instituições públicas. Obviamente, com a instituição da Lei de Proteção de Cultivares no Brasil, incluindo a cultura da batata, é possível que empresas privadas, especialmente as que estão introduzindo cultivares mais odernas e produtivas, possam vir a estabelecer programas no País, pois, sendo passíveis de proteção legal por um período de 15 anos, há possibilidade de retorno de investimentos efetuados em desenvolvimento de novas opções de cultivares batata.
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