Eficácia do treinamento na melhoria da tecnologia de aplicação de agrotóxicos na cultura da batata

Hamilton H. Ramos
Eng. Agrônomo, Pesquisador Científico V, Centro
APTA de Engenharia e Automação,
Instituto Agronômico, Jundiaí/SP, e-mail:
hhramos@iac.sp.gov.br
Roberto M. Araujo
BASF S.A. – Agro, roberto.araujo@basf-sa.com.br


O uso adequado de agrotóxicos tem sido um dos temas que vem atraindo a atenção de vários segmentos do setor agrícola, uma vez que tem implicações em três áreas básicas de grande importância no contexto global da sustentabilidade da agricultura: a preservação do ambiente, a segurança e a saúde dos usuários e a segurança alimentar. Dentro deste contexto, o treinamento dos aplicadores é um processo fundamental, uma vez que a grande maioria dos problemas oriundos da utilização destes produtos tem origem no baixo conhecimento dos agricultores, técnicos e trabalhadores do processo de pulverização. Além disso, trabalhadores rurais representam um perfil particular de profissional, sendo pouco atingidos pelos processos padrões de transferência de informação. Assim, o Centro Avançado de Pesquisa Tecnológica do Agronegócio de Engenharia e Automação (CEA) do Instituto Agronômico (IAC), órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA-SP), também tem sido estimulado a incrementar seus progra as voltados à educação eficaz do trabalhador rural, sendo que, desde 1994, várias ações neste sentido vêm sendo realizadas. Dentro delas, o CEA/IAC e a BASF S.A – Agro, celebraram em 2002, através da FUNDAG – Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola, um convênio com o objetivo de desenvolver e avaliar um sistema eficaz no treinamento de adultos em tecnologia de aplicação de agrotóxicos. Neste artigo, busca-se analisar os resultados deste convênio obtidos na cultura da batata.


 


– O treinamento
O sistema de treinamento foi baseado no Método SOMA, no qual se propõe que um sistema de treinamento eficaz deve ser sistêmico, com objetivos claramente definidos, deve monitorar a evolução das pessoas e ser avaliado e aperfeiçoado constantemente ao longo do processo. Em seu desenvolvimento, levou-se em consideração que os adultos têm características bem distintas das crianças e que o ensino dedicado a eles precisa considerar tais aspectos. Diferentes estudos mostram que os adultos retêm 10% do que foi lido, 20% do que foi ouvido, 30% do que foi visto, 50% do que foi visto e ouvido, 70% do que foi discutido e 90% do que foi discutido e feito. Assim, métodos de ensino variados, que utilizam os vários sentidos, que prendem a atenção, que deixam as pessoas à vontade, que valorizam seus conhecimentos e habilidades atuais e que os levam a discutir e executar ações práticas e concretas têm mais chance de serem aceitos e trazerem bons resultados de aprendizagem. Considerou-se ainda que a maioria dos trabalhadores rurais tem dificuldade para ler e interpretar textos, confundindo-se com termos técnicos e palavras difíceis, o que é compreensível levando-se em conta que, segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA), no Estado de São Paulo, publicada em 1999, 80% dos aplicadores de agrotóxicos têm até o primeiro grau completo, aprenderam a trabalhar com membros da família ou outros agricultores e nunca receberam qualquer tipo de treinamento.


 



Assim, o treinamento desenvolvido é dividido em três partes, com duração de quatro horas cada. Na primeira, uma visita ao campo é agendada, ocasião na qual se realiza uma avaliação da aplicação e do pulverizador, fotografando-se os pontos de acertos e falhas. Esta avaliação, realizada de forma visual ou através de pequenas medições, foi idealizada com base em sistemas de avaliação já existentes e testados e contempla pontos como rotação de acionamento do pulverizador, presença de vazamentos, estado de conservação e localização das mangueiras, presença e estado de conservação dos filtros de linha, sucção e bicos, presença e estado de conservação de antigotejadores, espaçamento, tipo e estado de uso das pontas de pulverização, presença, funcionalidade e adequação do manômetro e erros na taxa de aplicação. Com as fotos obtidas e com base nos problemas observados, monta-se uma apresentação teórica a ser realizada, preferencialmente, na manhã seguinte à avaliação.


Tal apresentação, com base nos preceitos teóricos adotados, deve conter o mínimo de palavras e ser baseada em fotos ou figuras, que sejam de pronto reconhecimento pelos participantes e que ajudem o instrutor a transmitir o conhecimento necessário de forma agradável, estimulando a discussão e a descontração. Nesta apresentação, além de serem mostrados os erros, devem ser valorizados os acertos, uma vez que o que incentiva as pessoas e aumenta o desejo de crescer e de aprender é o sucesso e não o fracasso. Após o período de teoria, realiza-se um de prática, utilizando-se os pulverizadores avaliados no primeiro período, onde os “treinandos” terão a oportunidade de identificar as falhas apontadas e de buscar corrigi-las, além de sedimentar os novos conhecimentos adquiridos. Para estimular a desconcentração dos “treinandos” e melhorar a aprendizagem, todas as fases do treinamento devem ser realizadas na propriedade, para um número máximo de 15 participantes. A avaliação do treinamento é realizada com base nos resultados obtidos na avaliação do pulverizador.


Após dois anos do treinamento, uma nova avaliação da aplicação e do pulverizador é realizada e os dados de ambas são comparados. Como, dentre as diversas definições existentes, aprendizagem pode ser definida como “um processo em que o comportamento é modificado pela experiência resultante de incorporação de uma nova situação ou da mudança de um comportamento adquirido” e, segundo dados da literatura, os adultos esquecem, no prazo de um ano, 50% do que aprenderam de forma passiva e, em dois anos, esquecem 80%, a porcentagem de redução no número de defeitos encontrados pode ser considerada como mudança de comportamento e, portanto, eficácia do tratamento.


– Resultados na cultura da batata
Após o desenvolvimento do sistema de treinamento, sua funcionalidade foi avaliada junto a seis grandes produtores de batata nas regiões de Itapetininga – SP, Capão Bonito – SP e Vargem Grande do Sul – SP, que possuíam no conjunto 1.760 ha plantados e realizavam em média 16 aplicações por ciclo, com volumes de calda variando entre 400 e 800 l/ha. As tarefas de identificação dos produtores, agendamento dos treinamentos e avaliações pós-treinamento foram realizadas por técnicos da BASF S.A. – Agro, enquanto que as avaliações preliminares e os treinamentos foram realizados por técnicos do CEA/IAC. Os treinamentos foram realizados no período de 28 de maio a 19 de julho de 2002 e as avaliações pós-treinamento no período de 12 a 16 de abril de 2004. Os resultados obtidos nas avaliações preliminares e pós-treinamentos são sumarizados na Tabela 01. Nas avaliações preliminares, observou-se que todos os pulverizadores analisados apresentavam defeito em, pelo menos, um dos 21 itens avaliados.


 



Os mais frequentes, que ocorreram em 50% ou mais dos pulverizadores, foram: rotação de trabalho, mais que 10% inferior àquela necessária para proporcionar 540 rpm na tomada de potência (50%), presença de vazamentos no sistema hidráulico (50%), vazamento nos bicos após dez segundos do fechamento do fluxo de calda às barras (83%), bicos pulverizando sobre áreas não plantadas (50%), vazão de pontas na barra com variação superior a 10% da média (83%), filtros avariados (100%), manômetro ausente, quebrado ou em mau estado de conservação (50%), pressão máxima da escala do manômetro superior a duas vezes a máxima pressão recomendada para a ponta de pulverização (67%) e volume de aplicação citado com diferença superior a 5% do analisado (50%). Alguns destes defeitos, bem com sugestões para sua correção, foram descritos no artigo “Erros comuns na pulverização da batata”, publicado na Batata Show nº 6 de 2003. A porcentagem dos defeitos, em relação ao número total de avaliações realizadas, variou de 29 a 48%, com média de 36%. No total, das 126 análises realizadas (21 avaliações x 6 pulverizadores), 45 foram consideradas como fora do padrão adotado. Nesta fase, observou-se perdas de até 39 mil litros de calda por safra, por produtor, oriundos principalmente do mau estado de conservação das pontas e do fato de utilizar-se bicos de pulverização tratando áreas não plantadas, deixadas propositalmente para o trajeto de máquinas dentro da cultura. Após os treinamentos, que foram realizados sempre nas propriedades e com a presença dos proprietários, responsáveis técnicos e trabalhadores, apesar de 83% dos pulverizadores apresentarem, pelo menos, um defeito o único com 50% de ocorrência foi velocidade citada de aplicação com diferença superior a 5% da analisada. A porcentagem dos defeitos, em relação ao número total de avaliações realizadas, variou de 5 a 10%, com média de 6 %. No total, das 126 análises realizadas, sete foram consideradas como fora do padrão adotado.


Nesta fase, nenhuma fonte significativa de desperdício foi identificada em nenhum dos pulverizadores avaliados. Verifica-se assim que, mesmo após dois anos, ainda foi possível observar uma redução de 84% no número inicial de defeitos. Especial atenção, entretanto, deverá ser dada aos próximos treinamentos na forma de determinação da velocidade de trabalho, uma vez que, pelo que indicam os dados, esta não está sendo avaliada no local de trabalho e sim sobre carreadores ou outras superfícies compactadas, ocasionando as diferenças observadas.


– Conclusão
Mesmo face ao baixo número de amostras, verificou-se que o sistema de treinamento desenvolvido foi eficiente em mudar o comportamento do trabalhador e em reduzir os desperdícios oriundos da má utilização da tecnologia de aplicação de agrotóxicos. Avaliações complementares deverão ocorrer, buscando-se aperfeiçoar e difundir os conceitos desenvolvidos, entretanto, tais resultados consolidam a educação e treinamento como forma eficaz de se elevar a segurança e a saúde no trabalho com agrotóxicos, reduzir os riscos de contaminação do ambiente e reduzir significativamente o custo do tratamento fitossanitário.



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