Júlio César de Souza1
Rogério Antônio da Silva2
Paulo Rebelles Reis2
Fernanda Aparecida Abreu3
Introdução e biologia
Traça-da-batata: Bioecologia, dano e controle
A traça-da-batata Phtorimaea operculella (Zeller, 1873) (Lepidoptera: Gelechiidae) é tida pelos produtores como uma praga importante na cultura da batata Solanum tuberosum L. Apesar disso, esse inseto é pouco conhecido pelos bataticultores nos aspectos de bioecologia, épocas de ocorrência, comportamento, outros hospedeiros e métodos de controle. Em conversa com diversos produtores, as informações sobre a traça-da-batata são as mais contraditórias possíveis, daí a importância da pesquisa desenvolvida pela EPAMIG em Minas Gerais sobre essa praga, cujos resultados parciais são apresentados neste artigo técnico.
Os adultos da traça-da-batata são pequenas mariposas (bruxinhas) de coloração acinzentada, medindo cerca de 10 a 12 mm de envergadura (distância entre as pontas das asas anteriores, abertas). Apresentam hábito crepuscular. Suas asas anteriores são de cor cinza, mais escuras do que as posteriores e apresentam manchas pretas irregulares (Fig.1). Durante o dia escondem-se nas lavouras de batata, na face inferior das folhas. Para observá-las, basta agitar a folhagem, de onde voam de modo curto e rápido, pousando e se escondendo em outra planta próxima. A pequena mariposa da traça-da-batata não tolera a luz do dia.
Figura 1- Adultos (Mariposinhas) da traça-da-batata.
Figura 2 – Folha baixeira com folíolos minados por lagartas da traça-da-batata
Figura 3 – Lagarta esbranquiçada da traça em tubérculos esverdeado atacado
A mariposa fêmea, após o acasalamento na lavoura, põe ovos tanto na página inferior das folhas como nas brotações, e também em tubérculos. Também oviposita na batata-semente armazenada em depósitos, galpões ou armazéns, aguardando novos plantios. Cada fêmea pode pôr, em média, 300 ovos durante a sua vida, distribuídos em várias posturas e em diversos pontos. São de coloração branca, lisos e globosos. No campo, após a eclosão, as lagartinhas raspam folhas; a seguir, penetram em folhas baixeiras, junto ao solo, minando-as (Fig. 2). À medida que se alimentam, aumentam de tamanho, sofrendo quatro ecdises ou mudas de pele. Completamente desenvolvidas, as lagartas medem cerca de 12 mm de comprimento, possuindo coloração esverdeada, sendo a parte dorsal ligeiramente rosada: a cabeça, o protórax e o penúltimo segmento abdominal apresentam manchas escuras. Em tubérculos atacados apresentam coloração esbranquiçada (Fig. 3). Possuem oito pares de pernas, sendo três torácicas e cinco abdominais. São muito ágeis (Fig. 4). Diferem das lagartas da traçado- tomateiro, Tuta absoluta (Meyrick, 1917) (Lepidoptera: Gelechiidae), que eventualmente podem também minar as folhas da batateira por serem maiores e mais volumosas, além de apresentarem a placa quitinosa mais larga, de cor marrom bem escuro, no dorso do protórax. A fase larval ou de lagarta tem duração de 12 a 14 dias, findos os quais elas abandonam as folhas e dirigem-se para um local apropriado, onde tecem um casulo com fios de seda branca por elas produzidos, transformando-se em pupa ou crisálida. Geralmente, constroem os casulos nos bordos das folhas baixeiras, enrolando-os junto ao solo, daí eles se apresentarem sujos de terra.
Figura 4 – Lagarta desenvolvida de coloração cinza esverdeada, atacando a parte aérea
Figura 5 – À esquerda crisálida ou pupa da traça-da-batata, e à direita o adulto
Figura 6 – Lagarta da traça-da-batata atacando uma haste (caule) de batateira
Figura 8 – Tubérculos expostos (aflorados) com pontos de ataque da traça, representados por fezes escuras e seda branca, das lagartas
A fase de crisálida dura de 15 a 20 dias,emergindo em seguida o adulto (Fig. 5). O ciclo evolutivo é completado em 35 a 40 dias, ocorrendo no campo gerações sobrepostas. As lagartas da traça podem atacar durante o ciclo da cultura, além das folhas e tubérculos, também as hastes (Fig. 6).
A traça-da-batata pode atacar também, além da batata, o tomateiro, fumo e berinjela, todos da família das solanáceas, a mesma da batata. Também atacam outros hospedeiros da mesma família, menos conhecidos. No entanto, seus prejuízos são somente relatados em batata.
Ocorrência nas lavouras e prejuízos
No Sul de Minas, maior região produtora de batata naquele estado, onde são desenvolvidas pesquisas, as lagartas da traça-da-batata atacam a parte aérea e tubérculos de lavouras no plantio de inverno (plantios de final de março a junho/julho), com colheita de agosto a novembro/dezembro (Fig.7). No plantio das águas praticamente não ocorre. Na parte aérea, geralmente seu ataque resume-se às folhas baixeiras, junto ao solo, consequentemente sem causar prejuízos á produtividade das lavouras. Esse ataque pode ser observado nas plantas das lavouras implantadas mais ao final, dentro do plantio de inverno. Na parte aérea, em condições normais, seu ataque passa despercebido. Entretanto, em algumas lavouras e em outras regiões produtoras, como na bataticultura do Alto Paranaíba e possivelmente em outras, seu ataque pode ser maior nas folhas, o qual deve ser controlado a fim de reduzir sua população, para evitar que infeste os tubérculos no campo, após a dessecação. Uma vez realizada a dessecação, com o amarelecimento e seca das folhas, as lagartas da traça, por falta de alimento, passam a atacar também as hastes ainda verdes, onde fazem galerias longitudinais sob a cutícula. Atacam também tubérculos.
Nos tubérculos, observa-se ataque de lagartas principalmente naqueles expostos, nos quais as mariposas facilmente colocam ovos.
Figura 9 – Tubérculo de batata esverdeado, atacado apresentando galerias superficiais construídas pela lagarta da traça.
Figura 11 – Tubérculos esverdeados atacados, com sintomas avançados do ataque por lagarta da traça, sem valor comercial
Figura 12 – Tubérculos atacados por lagartas da traça no interior de camalhões,
a partir de fendas no solo e de aberturas junto ao colo das plantas.
Figura 13 – Amontoa mecânica bem feita, que dificulta a abertura de fendas nos camalhões e a exposição de tubérculos, para serem atacados por lagartas da traça
Figura 14 – Fendas em camalhões, que facilitam o ataque de lagartas e postura por adultos da traça, em tubérculos sadios, em seu interior
Esses tubérculos expostos atacados, com a superfície esverdeada devido a exposição à luz, apresentam-se exteriormente feios no aspecto, com a presença de fezes granuladas e escuras nos pontos de ataque, envolvidas por teias de seda branca, produzidas pelas lagartas, que servirão de casulo para proteger o inseto em sua fase de crisálida (Fig. 8). Apresentam também galerias sob a “pele”, superficiais no início (Fig. 9) e depois mais profundas, inclusive com perfurações, facilmente vistas ao retirar a “pele” (Fig. 10). Abrindo-se essas galerias e perfurações com canivete, pode-se observar a presença de lagartas. Em tubérculos atacados e com sintomas avançados, com grande área destruída por galerias, embora não apodreçam, ficam depreciados para o comércio ou mesmo para batata-semente (Fig. 11).
As lagartas atacam também tubérculos não expostos no interior dos camalhões, a partir de fendas no solo e de aberturas junto ao colo das plantas.
Nesses tubérculos sadios constroem galerias superficiais sob a pele, depreciando-os comercialmente (Fig. 12). Assim, supõe-se que as lagartas da traça não atingem e atacam tubérculos não expostos no interior dos camalhões a partir de galerias feitas por elas nas hastes. Como têm pernas e são ágeis apresentam facilidade em penetrar no interior dos camalhões pelas fendas, à procura de tubérculos para atacar. Ao contrário, seus adultos fêmeas, por serem frágeis, não conseguem penetrar com facilidade no interior dos camalhões pelas fendas, à procura de tubérculos para ovipositar, só o fazendo em tubérculos expostos ou naqueles no interior dos camalhões a partir de fendas muito abertas ou na superfície da terra.
Figura 15 – Tubérculos expostos em camalhões, resultado de amontoa mal feita, e sujeitos ao ataque de adultos (postura) e das lagartas da traça
Assim, o grande ataque da traça aos tubérculos ocorre após a dessecação das plantas, pela ausência da parte aérea verde, que é alimento para as lagartas e local de postura para os adultos. Com a parte aérea seca, lagartas da praga passam a atacar tubérculos expostos ou não, o mesmo ocorrendo com os seus adultos, neles ovipositando. Os prejuízos em tubérculos podem atingir 50%, daí a grande importância da amontoa bem feita e das pulverizações na dessecação e após ela, visando matar as fases da traça (de lagarta, crisálida e adulta); assunto que está apresentado no item de Medidas de Controle.
Em lavoura destinada à produção de batata-semente os tubérculos são inicialmente atacados por lagartas da traça no campo. Uma vez armazenados o ataque continua nos tubérculos, onde se multiplica, podendo causar perdas consideráveis no período de armazenamento da batata. Isto porque as mariposas fêmeas da traça preferem e são ávidas em ovipositar em tubérculos, especialmente os armazenados. Essa batata-semente, armazenada e infestada, tem que ser selecionada antes do plantio, escartando-se as batatas atacadas, já que se plantadas sem essa seleção as plantas das lavouras delas oriundas serão menos vigorosas, com prejuízos na qualidade e quantidade de tubérculos produzidos. Medidas de controle Algumas medidas são recomendadas para controlar a traça-da-batata com eficiência e evitar seus prejuízos:
• Para evitar afloramento de tubérculos em lavouras implantadas com “semente grossa”, fazer o plantio mais fundo.
• Realizar uma boa amontoa (aterração). É uma das medidas mais importantes, já que evitará fendas no solo pelo crescimento dos tubérculos e, consequentemente, a entrada de lagartas da praga para atacálos. Evitará também o afloramento de tubérculos que são facilmente atacados. Uma boa amontoa pode ser realizada com a enxada rotativa Watanabe (www.watanabe.com.br, e-mail: info@watanabe.com.br) já em uso na bataticultura do Sul de Minas (Fig. 13). Deve-se realizá-la mais cedo, aos 15 dias após o início da brotação, inclusive podendo tapar as plantas nascidas, sem nenhum problema, já que com a irrigação feita em seguida, as plantinhas serão descobertas pela água da irrigação. Em áreas com topografia acidentada, onde a amontoa é feita com tração animal, procurar fazê-la da melhor maneira possível e sempre que necessário refazê-la com enxada.
• Mesmo considerando que o ataque de lagartas da traça às folhas medianas e baixeiras não reduz a área foliar e consequentemente a produtividade da lavoura, uma vez constatada grande infestação, em qualquer altura nas plantas, recomendase o controle com abamectim 18 CE (1,0 L/ha) e óleo emulsionável (vegetal ou mineral) a 0,25%, aplicados em pulverização. O abamectim deve ser misturado ao óleo emulsionável por 3 minutos, em pré-mistura, antes de despejá-los na água. Pode-se também optar por um inseticida fisiológico, como o lufenuron 50 CE (Match) (600 a 800mL/ha) ou o teflubenzuron 150 CE (Nomolt) (25 mL/100 L de água), indoxicarb (Rumo WG) (160g/ha) ou o triflumuron (Certero)(30 mL/100 L de água), todos de classe toxicológica IV (praticamente atóxicos, de tarja verde). Adicionar espalhante adesivo para qualquer um dos inseticidas utilizados.
• Para lavouras destinadas à produção de batata-semente, recomenda-se realizar o controle químico visando matar adultos, lagartas e crisálidas da traça, por ocasião da dessecação, utilizando-se um inseticida do grupo dos fosforados, como o clorpirifós etil 480 CE (1,5 L/ha), junto com o herbicida e posteriormente duas pulverizações de inseticida até a colheita, realizadas semanalmente. Para lavouras destinadas à produção para indústria e também de batataconsumo, utilizar um inseticida com pequena carência (piretróides ou carbamatos), preferencialmente até 10 dias, como o metomil (Lannate 215 CS na dosagem de 1,5 L/ha), para evitar resíduos nos tubérculos, já que a pulverização com bico leque visa os camalhões, no interior dos quais estão os tubérculos. Para melhor orientação procurar assistência técnica.
• Se ocorrerem fendas no solo pelo crescimento dos tubérculos, de acordo com cada variedade de batata (Fig. 14), realizar irrigações semanais após a dessecação, visando tapá-las na linha de plantio nos camalhões, a fim de impedir ou dificultar a penetração de lagartas e adultos no seu interior para atacar tubérculos.
• Não atrasar a colheita, já que poderão ocorrer chuvas ao final da safra de inverno, resultando em tubérculos descobertos e expostos ao ataque da traça (Fig. 15)
• Nas máquinas de lavar e classificar batatas sugere-se a separação dos tubérculos infestados pela traça, com lagartas em seu interior, os quais devem ser jogados num tambor contendo óleo queimado, operação essa que resultará na morte de ovos, lagartas e crisálidas da traça. Se assim não for feito, esses tubérculos infestados servirão para a sobrevivência do inseto e aumento de sua população na região, para atacar outras lavouras no campo e nos armazéns, a partir de seus adultos levados pelo vento.
• Evitar armazenar batata-semente atacada pela traça, fazendo a seleção e destruição de tubérculos atacados.
Limpar o armazém (galpão) antes de armazenar a batata-semente. Pulverizar todo o seu interior (pulverização espacial) com um inseticida piretróide aplicado com atomizador (pulverizador) costal motorizado, de preferência equipado com bomba centrífuga, a fim de o jato pulverizado alcançar qualquer altura. Podese também nebulizar o armazém com fumaça contendo inseticida, através de aparelhos denominados termonebulizadores (“fog”). A pulverização espacial ou a nebulização visa matar adultos da traça para evitar que ovipositem na batata a ser armazenada. A pulverização ou nebulização deve ser repetida em caso de reaparecimento de adultos da traça no interior do armazém. Nesse caso, deve-se pulverizá-lo ou nebulizá-lo, inclusive as pilhas contendo caixas ou sacas de batatasemente.
Bibliografia
COMPÊNDIO de defensivo agrícolas:guia prático de produtos fitossanitários para uso agrícola.
7. ed. São Paulo: Organizações
Andrei, 2005. 1141 p. SOUZA, J.C. de; REIS, P.R. Pragas da batata em Minas Gerais. Belo Horizonte: EPAMIG, 1999, 63p. (EPAMIG-Boletim Técnico, 55).
1 Engº Agrº – Dr. Entomologista EPAMIG – CTSM/EcoCentro, bolsista da Fapemig, Lavras (MG). ctsm@epamig.ufla.br
2 Engº Agrº/Dr. Entomologista EPAMIG-CTSM/EcoCentro, bolsista do CNPq, Lavras (MG). ctsm@epamig.ufla.br
3 Acadêmica de Ciências Biológicas Licenciatura – Unilavras, bolsista da Fapemig, Lavras (MG). fernanda_abreu85@yahoo.com.br
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