O Vírus do Vira-cabeça Causando Necrose do Tubérculo em Batateira

Pedro Hayashi

Erich Yukio Tempel Nakasu

Alice Kazuko Inoue-Nagata

As doenças causadas por vírus de plantas não podem ser curadas, além de serem capazes de rápida disseminação pelas culturas. No cultivo da batata, onde as plantas são produzidas por propagação vegetativa, o risco de introdução de vírus no campo a partir de batata-semente contaminada é ainda maior do que no cultivo de outras hortaliças. Aliado a isso, infestações por insetos vetores – particularmente por pulgões, tripes e moscas-brancas – contribuem para que as doenças virais se espalhem pelas lavouras, mesmo quando as populações desses insetos são baixas.

Recentemente, tubérculos com necrose e anéis necróticos estão sendo observados em alta frequência. Além do potato virus Y necrótico (PVYNTN), o vírus do vira-cabeça vem causando este sintoma, o que tem preocupado os produtores. Este artigo foi elaborado com informações sobre essas duas doenças, visando ajudar o produtor a distingui-las e possibilitar um controle mais eficiente da doença vira-cabeça na batateira.

Necrose no tubérculo associado ao vira-cabeça do tomateiro
O vira-cabeça é uma doença mundialmente importante na cultura da batata, podendo se espalhar rapidamente no cultivo com incidências entre 30-40% e levar à morte das plantas. Esta doença é causada pelos vírus conhecidos como tospovírus. No Brasil, três espécies de tospovírus capazes de infectar a batateira estão presentes: Tomato spotted wilt virus (TSWV), Groundnut ringspot virus (GRSV) e Tomato chlorotic spot virus (TCSV).

Os sintomas da doença podem variar de acordo com as condições climáticas, cultivar e idade da planta. Entretanto, os sintomas mais comuns incluem pontos necróticos nas folhas, necrose das hastes (Figura 1) e lesões foliares necróticas (Figura 2) e em formato de anéis. Os tubérculos podem apresentar sintomas de anéis necróticos na superfície (Figura 3), deformações e lesões necróticas no interior (Figura 4). A diagnose pode ser feita pela análise de sintomas e testes com antissoros. As três espécies de tospovírus causam sintomas semelhantes e não há como diferenciá-las pelos sintomas que causam e nem por testes com antissoros. Testes moleculares são necessários para a identificação da espécie. Os tospovírus têm a habilidade de infectar inúmeras plantas, destacando-se pimentas e pimentões, tomate, amendoim e alface, além de muitas espécies de plantas daninhas.

Na bataticultura nacional, esses vírus são transmitidos por tripes dos gêneros Frankliniella e Thrips. Os tripes são insetos pequenos (menores de 1 cm), capazes de completar seus ciclos de vida em diversas plantas hospedeiras. A fêmea deposita os ovos dentro do tecido da planta, as larvas desenvolvem-se sobre as folhas e flores, seguido da fase de pré-pupa e pupa, sendo esta última no solo. O adulto representa a fase de maior importância para a transmissão dos tospovírus. O controle desses insetos é dificultado ainda pelo seu hábito alimentar, que ocorre principalmente na parte inferior das folhas, onde a eficiência de ação de inseticidas de contato é baixa.

Necrose causada por PVY

O PVY é um vírus da batateira que é amplamente disseminado pelos cultivos no mundo, podendo causar até 80% de redução na produção. Existem diferentes estirpes de PVY presentes no Brasil, sendo a variante conhecida como PVYNTN a única capaz de causar anéis necróticos superficiais nos tubérculos (Figura 5). Nas folhas, o PVY pode causar sintomas de mosqueado, mosaico e nanismo. Testes com antissoros são úteis para a detecção de PVY.

Diferentemente dos tospovírus, o PVY pode ser transmitido por diversas espécies de pulgões, sendo Myzus persicae um dos mais eficientes. Em questão de segundos, eles são capazes de adquirir o vírus a partir de plantas infectadas e transmiti-los a plantas sadias. Os pulgões alados são os responsáveis pela disseminação do vírus a longa distância, enquanto os ápteros (sem asas) dispersam o vírus a curtas distâncias.

Como diferenciar as duas doenças no tubérculo?

Os sintomas causados por infecções de ambos podem ser semelhantes e a identificação do vírus depende, na maior parte dos casos, de exames laboratoriais. Algumas variedades, como Ágata, Atlantic e Asterix, apesar de serem suscetíveis à infecção por PVYNTN, não apresentam os sintomas de necrose no tubérculo. Portanto, para essas cultivares, é provável que o aparecimento de necrose deverá estar associado a infecções por tospovírus. Os produtores têm observado que anéis necróticos nas cultivares Monalisa e Caesar são as cultivares com maior ocorrência de necrose no tubérculo causados pela infecção por PVYNTN.

Outra característica distintiva é que os anéis necróticos nos tubérculos aparecem antes da colheita em plantas infectadas por tospovírus, em contraste com o PVYNTN, em que muitas vezes no tubérculo o sintoma de necrose não é visível na colheita, mas este aparece durante o armazenamento. Invariavelmente, PVYNTN causa sintomas de necrose superficial (Figura 5), enquanto os tospovírus induzem necrose na casca (Figura 3) e também na parte interna do tubérculo (Figura 4).

 

Outros vírus que causam necrose do tubérculo

No Brasil, só se tem relato da ocorrência de PVY e tospovírus como causadores de necrose no tubérculo. Entretanto, outros vírus menos conhecidos entre nós podem também causar lesões em tubérculos. O primeiro é a espécie Potato mop-top virus (PMTV). PMTV causa sintomas de clorose e encurtamento de internódios na parte aérea, conferindo um aspecto de esfregão (“mop”). Nos tubérculos, lesões necróticas na forma de arco e anéis são vistas na superfície e também como lesões amarronzadas na parte interna. PMTV é transmitido por esporos (zoósporo) do fungo de Spongospora subterranea, agente causal da sarna pulverulenta. A segunda espécie é o Tobacco rattle virus (TRV). Os sintomas causados pela infecção por TRV na parte aérea é variável, desde assintomático até folhas com anéis cloróticos, mosqueado, mosaico e nanismo. Nos tubérculos, lesões necróticas em anel são característicos, sendo essas lesões observadas também na parte interna. O TRV é transmitido por nematoides dos gêneros Paratrichodorus e Trichodorus. O terceiro vírus é o Tobacco necrosis virus (TNV). Em batateira, o vírus causa a doença denominada “ABC”, que consiste no aparecimento de lesões marrons, secas, com rachaduras e profundas na superfície do tubérculo. O vírus é transmitido pelos esporos (zoósporos) do fungo Olpidium brassicae. PMTV e TRV não são relatados no Brasil e constituem-se em pragas quarentenárias ausentes, enquanto o TNV apresenta ocorrência rara e não há relato em batateira aqui no Brasil, apesar de ter sido detectado em outras plantas.

Como manejar o vira-cabeça do tomateiro em batateira
A primeira etapa para um manejo eficiente da doença é a diagnose. A análise de sintomas causados por vírus é complexa, necessitando muitas vezes de testes de detecção em laboratórios especializados. Em geral, os tospovírus causam o sintoma típico de necrose nas folhas e caule da planta (Figura 1, 2), o que facilita a diagnose. Testes sorológicos (com anticorpos) apresentam alta sensibilidade e são adequados para a detecção dos tospovírus, mas não permitem a distinção entre as espécies.

O uso de batata-semente livre de vírus é essencial para uma alta produtividade. Por ser multiplicada de maneira vegetativa ou assexuada, a batata semente pode estar contaminada por vários patógenos, fungos, vírus, bactérias e nematoides, e esses organismos podem influenciar a qualidade e produtividade no campo. Dois tipos de batata-semente podem ser usados: certificada e não certificada. Para ser certificada a batata-semente precisa ser produzida de acordo com normas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (IN 32, 20/11/2012; http://www.agricultura.gov.br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agricolas/sementes-e-mudas/publicacoes-sementes-e-mudas/INN32de20denovembrode2012.pdf). Há um limite máximo de infecção por vírus permitido para cada categoria de semente certificada, sendo que a lista inclui o vírus Y da batata (PVY), o vírus do enrolamento da folha (PLRV), o vírus X da batata (PVX) e vírus S da batata (PVS). Outros vírus não fazem parte desta lista, por exemplo os tospovírus, os begomovírus e o crinivírus. Salienta-se que para a detecção dos últimos dois grupos de vírus, técnicas moleculares são necessárias. Considerando a importância crescente desses vírus, alerta-se sobre a necessidade de inclui-los na avaliação da qualidade sanitária da batata-semente. Verifica-se também que há necessidade de um maior treinamento e capacitação do corpo técnico que atua na certificação de batata-semente. Apesar do limite de detecção de tospovírus não estar especificado na instrução normativa, existe um limite de viroses em geral, o que reduz as chances de introdução da doença na lavoura. Portanto, o uso de sementes certificadas é altamente recomendado. É estimado que mais de 80% dos produtores, sejam eles grandes ou pequenos, não utilizam a semente certificada. Esforços precisam ser realizados para se mudar esta realidade, para que os produtores possam usar batata-semente certificada, de alta qualidade e a custos mais baixos.

Antes do plantio da batata, deve-se selecionar uma área para plantio sem histórico da ocorrência de vira-cabeça, seja em batateira ou outras culturas. Os tospovírus geralmente apresentam capacidade para infectar inúmeras plantas. Evite plantio próximo a culturas que são frequentemente infestadas por tripes, como alho, cebola, milho e cana-de-açúcar e também de lavouras de produção de tomate, pimenta/pimentão, abóboras, alface e amendoim, que são hospedeiros dos tospovírus. Importante destacar que é verificada que a incidência do vira-cabeça é invariavelmente crescente nas áreas. Acredita-se que na ausência da cultura, o tospovírus permanece presente na área em plantas invasoras, daninhas e silvestres. Estas podem atuar como fontes eficientes de tospovírus para as culturas. Portanto, o manejo adequado de plantas daninhas e a rotação de culturas são essenciais.

Não escalone o plantio. Se for inevitável, plante a segunda lavoura contra a direção principal do vento.

Visite a lavoura frequentemente e evite entrar na área se tiver visitado outros cultivos, pois poderá estar carregando tripes transmissores. Em cada visita, eliminar as plantas doentes tomando o cuidado de acondicioná-los em sacos plásticos para evitar a distribuição dos tripes transmissores. Destruir as plantas infectadas longe da área de produção. Esta prática é eficiente, principalmente nos primeiros dois meses do plantio.

Controle os tripes dentro da lavoura e também nas áreas vizinhas, preferencialmente de forma preventiva. Rotacione os princípios ativos para evitar seleção de populações de tripes com resistência aos inseticidas. O manejo deve ser feito considerando a paisagem agrícola e não ser realizada apenas na área de plantio de batata.

Figura 1. Batateira com sintomas iniciais de pontos necróticos e necrose do vira-cabeça no caule

Figura 2. Batateira infectada por tospovírus com sintomas de necrose nas folhas e caule

Figura 3. Tubérculos com anéis necróticos e lesões necróticas causados por infecção por tospovírus

Figura 4. Tubérculo com infecção por tospovírus com lesões internas

Figura 5. Tubérculo de batata com sintoma de lesões necróticas em anel causados por infecção por PVYNTN

Considerações finais

A doença vira-cabeça induz sintomas no tubérculo e estes podem ser removidos durante o processo de seleção de batata-semente. Dessa forma, é possível reduzir as chances de plantio de batata-semente contaminada com tospovírus a partir de um cuidadoso exame da batata-semente e aquisição de sementes de alta qualidade. É importante salientar, porém, que a ausência de sintomas de necrose não necessariamente indica que a batata-semente não está infectada por algum vírus. Em vista dos surtos de vira-cabeça observados nos últimos anos e pela dificuldade crescente de controle químico dos tripes, esta doença tornou-se bastante preocupante. Em geral, os produtores associam o aparecimento de anéis necróticos ao PVYNTN, por isso a correta diagnose é importante para tentar impedir a expansão da doença. Há grandes diferenças no controle de pulgões e tripes.

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