Poderia, a bataticultura brasileira, estar de frente a uma nova virose desastrosa, como a do PVYntn?

José Alberto Caram de Souza-Dias (Eng. Agr. PhD) – APTA-Instituto Agronômico Campinas (IAC)/CPD Fitossanidade e-mail: jcaram@iac.sp.gov.br – fone: 19-32415188
Sobre a constatação do PVYntn no Brasil Em 11 de Setembro de 1997, os Engs. Agrs. Hilário da Silva Miranda Fo. (Pesquisador Científico da APTA-IAC, Centro de Horticultura) e Arari Pinto de Oliveira Fo. (então responsável técnico da Empresa Terra Viva), nos consultaram com alguns tubérculos da cv. Atlantic (cuja batata-semente era, até então, importada exclusivamente do Canadá) apresentando sintomas de arcos e anéis necróticos superficiais. Havia retornado a poucos dias dos EUA, após um ano de ausência para realização de pósdoutorado com o grupo de pesquisa do Dr. Steven Slack, na Cornell University, estando, portanto com informações e conhecimentos que não deixavam dúvidas quanto à possível infecção daqueles tubérculos da cv. Atlantic pela então temida e alertada (Souza-Dias, 1996. Informativo Agropecuário, EPAMIG) variante “ntn” do vírus Y da batata (Potato vírus Y – PVYntn), já que havia relatos da presença dessa virose e países exportadores de batatasemente para o Brasil, inclusive no Canadá.


Em colaboração com a Dra. Haiko E. Sawasaki (APTA-IAC/ Genética Molecular), essa exótica e quarentenária raça do PVY foi confirmada em 1999 via PCR, com Kit da ADGEN (Escócia). Após a confirmação molecular do PVYntn naquelas amostras da variedade Atlantic de origem, posteriormente também na variedade Monalisa (que já ocupava mais de 80% da área de cultivo da batata no Brasil), sempre em áreas associadas com a variedade Atlantic, fomos expressamente instruídos pela diretoria do
Departamento de Defesa e Inspeção (DDIVMinistério da Agricultura), e não publicarmos essa constatação, devendo assim continuarmos cumprindo as normas da PI 290 de 15/04/1996, até que um levantamento mais amplo fosse realizado.


Essa decisão oficial de não autorização da divulgação da introdução e disseminação do PVYntn no Brasil foi tomada pelo DDIV após consulta a outros virologistas e especialistas da batata no Brasil, os quais se prontificaram a colaborar na realização de um levantamento amplo para saber a extensão da disseminação e possível erradicação daquela então exótica e quarentenária virose na bataticultura brasileira.


As raças do PVY são todas pertencentes à família Potyviridae, transmitidos em questão de segundos por diversas espécies de pulgões (afídeos), mesmo aquelas que não se alimentam nem se hospedam em plantas de batata, mas apenas visitam, de passagem, os batatais durante seus vôos migratórios. Por esse razão, a rápida disseminação do PVYntn havia sido prevista e alertada (Souza-Dias, Summa Phytopat. Fev. 2000; 2002). Entretanto, a autorização para publicação da constatação do PVYntn em batatais no Brasil só foi expressamente concedida ao autor em fins de 2002, quando o PVYntn já estava presente em pelo menos 5 estados produtores (Souza- Dias et al, Summa Phytopat. Fev. 2004). Sobre a recente constatação do PVY associado a plantas de Monalisa com severo sintomas de encrespamento foliar generalizado e má-formação dos tubérculos.


Na revista Batata Show, ano 1, No. 2 de 2001 apresentamos informações detalhadas sobre aspectos sintomatológicos e epidemiológicos das raças mais comuns do PVY. Nota-se, porém, que não há nessa revisão, nem em outra revisão mais recente (Manual de Fitopatologia – ESALQ, Editora Ceres. 2005) a descrição de sintomas do tipo encrespamento foliar; topo crespo ou aparência de plantas com aspecto de repolho, apresentando folhas de verde mais intenso e limbo mais espesso, associados a alguma raça do PVY em batatais no Brasil.


Entretanto, em meados de Junho deste ano de 2005, o Eng. Agr. Fábio Oliveira (COPERBATATA, Vargem Grande do Sul-SP) nos consultou sobre a possível causa viral de plantas de batata da cv. Monalisa as quais apresentavam sintomas do tipo “repolhuda”, encrespada, sem queda de folhas e sintomas de mosaico leve, mas sem necroses. Os folíolos com margens onduladas, retorcidas, eram, mais “suculentas”, com tonalidade de verde mais intenso e tubérculos malformados (menores que os de plantas normais; próximos à haste e aspecto de concha de amendoim), se comparados com plantas normais.


Em visita a dois produtores com plantações independentes e distantes uma da outra, localizados na região de Casa Branca, SP, constatamos mais de 40% de plantas com esses sintomas de encrespamento (repolhudas), sugestivos da perpetuação pelos tubérculos utilizados como batata-semente (veja as fotos) . Em visita ao campos, notava-se em alguns casos, a presença de apenas uma haste com desenvolvimento aparentemente normal dentre outras 2 ou 3 com sintomas de encrespamento severo, emergidas de uma mesma batata-semente (batata-mãe). A batata-semente utilizada por esses dois produtores era própria, originada de uma segunda multiplicação de lote de batata-semente adquirida da região sul do Brasil. A utilização de parte da produção como batata-semente foi dita ter sido feita por não ter sido observado problema semelhante no ciclo anterior.


Até o presente, as análises realizadas via testes biológicos: inoculação mecânica de extratos de folhas de plantas sintomáticas (encrespamento), transplantadas do campo para casa de vegetação; testes de imunodiagnose (ELISA) e testes moleculares (PCR), apresentaram os seguintes resultados:


1- Testes biológicos com plantas-testes das indicadoras: Nicotiana tabacum (fumo, cv. Turkish), sintomas de necrose severa das nervuras, típicos da infecção pelo PVYn; Datura metel , sintomas de clareamento das nervuras e enrugamento do limbo das folhas apicais, típicos para infecção por PVY; e Datura stramonium, ausência de sintomas, tanto quando inoculadas mecanicamente como quando por enxertia de haste da planta de batata sintomática como da Datura metel infectada via inoculação mecânica. Essa resposta de não infecção da D. stramonium (confirmada posteriormente via inoculação mecânica em plantas de fumo; ELISA com anticorpos policlonais para PVY; e molecularmente via PCR com primers para PVY) é indicativo da presença de PVY e ausência de outros vírus como o PVX, bem como o Tomato yellow vein streak vírus (ToYVSV) geminivirus, este último sendo um dos causadores de mosaico deformante da batata; e Plantas de batata das cvs Bintje e Cupido foram enxertadas com hastes de batata encrespada; mas, apesar de manifestação dos sintomas de mosaico e ligeiro encrespamento das folhas apicais, estes não eram do tipo encrespado, conforme observado em campo, na cv. Monalisa. Acompanhamento da progênie (tubérculos filhas) estão em andamento para saber se haverá ou não reprodução daqueles  sintomas na perpetuação pela batata-semente.


 


2- Testes com antissoros policlonais utilizados na rotina para diagnose dos vírus PLRV,PVY, PVS, PVM, TRV, PMTV, foram, exceto para PVY, consistentemente negativos, tanto em extratos de folhas de plantas de batata sintomáticas, coletada no campo, como das plantas testes inoculadas e infectadas. O ELISA tem confirmado, entretanto, reação antigênica com anticorpos do PVY apenas.Mais recentemente, adquirimos do Dr. Colin Jeffries (SASA, Escócia) antissoros policlonais e monoclonais para diagnose do Potato vírus P (PVP). Testes com amostras de tubérculos produzidos pelas amostras de plantas de batata sintomáticas, bem como de plantas de fumo, D. metel e D. stramonium, foram todos negativos. O PVP foi inicialmente identificado pelo Dr. Julio Daniels (EMBRAPA, Clima Temperado), em batatais no Rio Grande do Sul, causando sintomas de mosaico rugoso e semelhantes aos que aqui descrevemos como encrespamento.


3- Teste via PCR, realizados pela Dra. Haiko E. Sawasaki (APTA-IAC C.Genética Molecular) apresentaram os seguintes resultados: PVYo, PVYn e PVYntn, positivos (ácido nucleico viral amplificado) apenas para PVYn, confirmando os resultados observados com plantas indicadoras; Testes para Geminiviroses transmitidas por mosca branca também se mostraram negativos (amostra de folhas de plantas de batata com sintoma).


4- Também foram negativos os testes moleculares realizados pelo Prof. Dr. Ivan Bedendo (ESALQ-USP), na pesquisa de fitoplasmas.


5- Dr. Elliot W. Kitajima, do Laboratório de Microscopia Eletrônica da ESAQ-USP, também relatou observação apenas de Potyvirus até o momento. Conclusões que se tem até o momento e prosseguimentos nos estudos de diagnose, disseminação e controle da síndrome do encrespamento da batata Monalisa.


Os resultados obtidos até o presente convergem para a conclusão de que apenas o PVY esteja presente como agente causado dos sintomas de encrespamento (“folhagem do tipo repolhuda”), conforme observado no plantio de inverno, em dois campos da cv. Monalisa, na região de Casa Branca, SP. Pode ser que o fato de apenas a cv. Monalisa estar expressando esses sintomas de encrespamento severo seja uma resposta de sensibilidade dessa variedade a uma possível nova variante do PVY. Nesse caso, as outras cvs. de maior área cultivada naquela região, tais como Ãgata, Cupido e Atlantic, poderiam estar também infectadas, mas de forma latente ou assintomática, pois havia plantação de outras variedades, como Ãgata, que não expressavam sintomas semelhantes naquelas duas plantações. Portanto, não se pode sugerir de forma simplista, como já foi cogitado, a eliminação do cultivo da ´ Monalisa´ no Brasil, por ser essa variedade uma das que mais vem sofrendo perdas associadas a Potyvirus. Pois pode ser que a cv. Monalisa esteja apenas sendo vítima (infectada) por alguma outra variedade que não expressa tão nitidamente os sintomas de encrespamento. Estudos de transmissão e avaliação de perdas em planta de outras variedades estão em andamento.


Por ocasião do III Seminário Ãlvaro Santos Costa sobre Viroses da Batata, realizado no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) em 26-28 de Outubro de 2005, tivemos oportunidade de apresentar os estudos e resultados obtidos até o presente na identificação desse novo problema virológico ao ilustre virologista Dr. Luis Salazar (CIPPeru), o qual nos sugeriu que considerássemos a coleta de insetos, particularmente psilideos e cigarrinhas para avaliar a possibilidade de um Curtovirus presente nessa síndrome do encrespamento da ´Monalisa´ na região de Casa Branca.


O colega Hilário da Silva Miranda Fo. (APTAIAC, Horticultura) vem fazendo levantamento de perdas causadas na produção na área onde os sintomas se manifestaram. Também efetuo coleta de amostras de tubérculos de plantas sintomáticas (D) e das aparentemente sadias (S), em mais de 50 posições do campo onde essa composição [S-D-S] estava presente nos campos afetados. Testes de imunodiagnose (ELISA) que estaremos realizando com essas amostras, poderão revelar aspectos da disseminação do PVY na estação corrente. Esses estudos estão sendo realizados com o apoio da COPERBATATA e da Associação dos Bataticultores de Vargem Grande do Sul (ABVGS). A fim de conscientizar as autoridades do Estado de São Paulo sobre esse novo problema fitossanitário na bataticultura paulista e obtermos maior rapidez no apoio financeiro para esses estudos, foi solicitado e coordenado pelo colega H.S. Miranda Fo uma Reunião entre pesquisadores, produtores e representantes da COPERBATA e da Associação dos Bataticultores da região de Vargem Grande do Sul, com técnicos da Secretaria da Agricultura e Abastecimento, os quais já se encontram analisando uma proposta de pesquisa para financiar estudos sobre disseminação e controle dessa nova virose.


Pode ser que o fato de apenas a cv. Monalisa estar expressando esses sintomas de encrespamento severo seja uma resposta de sensibilidade dessa variedade a uma possível nova variante do PVY. Nesse caso, as outras cvs. de maior área cultivada naquela região, tais como Ãgata, Cupido e Atlantic, poderiam estar também infectadas, mas de forma latente ou assintomática, pois havia plantação de outras variedades, como Ãgata, que não expressavam sintomas semelhantes naquelas duas plantações. Portanto, não se pode sugerir de forma simplista, como já foi cogitado, a eliminação do cultivo da ´Monalisa´ no Brasil, por ser essa variedade uma das que mais vem sofrendo perdas associadas a Potyvirus. Pois pode ser que a cv. Monalisa esteja apenas sendo vítima (infectada) por alguma outra variedade que não expressa tão nitidamente os sintomas de encrespamento. Estudos de transmissão e avaliação de perdas em planta de outras variedades estão em andamento.


Sendo um possível novo Potyvirus (portanto transmitido eficientemente por diferentes espécies de pulgões, em alimentação de experimentação que podem durar segundos apenas) a bataticultura paulista vem a público para divulgar e alertar, de forma ética, consciente e responsável, uma possível nova e agressiva virose (aparentemente ainda limitado às áreas da região de Casa Branca-SP). Constatar e buscar meios de combate a um problema fitossanitário novo ou re-emergente não é desmerecedor, feio, humilhante ou outro adjetivo desqualificativo para qualquer região produtora. Ao contrário, essa atitude de busca de informação e solução com pesquisadores, extensionistas, representantes oficiais da defesa sanitária e lideranças dos produtores, revela a alta qualificação e responsabilidade técnica da região.
Evitar que essa e outras viroses exóticas se alastrem na bataticultura nacional é demonstração de responsabilidade com o econômico, como o social e com tudo de bom que significa a produção desse alimento para o povo brasileiro. O exemplo do PVYntn basta!


 

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