PqC Eng. Agr. Hilario da Silva Miranda Filho
hilario@iac.sp.gov.br
Era um problema. Na década dos 60, campos de produção da variedade Bintje, no sudoeste paulista, onde tinha sido utilizado para a propagação material básico importado; que tinham recebido tratamento sanitário suficiente para evitar a formação de colônias de afídios vetores de vírus até a desfolha; praticamente sem a presença de plantas com sintomas claros da presença do vírus do enrolamento da folha (PLRV); bem adubados; com produtividade muitas vezes superior a 20 t.ha-1; onde os tubérculos pequenos eram destinados à multiplicação como batata-semente, pois os maiores eram diretamente comercializados no mercado fresco, originavam campos onde a sintomas dessa virose estavam presentes em 20, 30, até mais que 50% das plantas. Por outro lado, a variedade alemã Delta, tolerante à moléstia, plantada no nordeste de São Paulo, em altitudes superiores a 1.100m, em solos de alta fertilidade, embora tivessem seus folíolos baixeiros enrolados, davam origem a plantas vigorosas, que plantadas na mesma região, não pareciam perder sua capacidade produtiva de cerca de 12 t.ha-1, em gerações sucessivas de propagação vegetativa. Se, porém, plantados em locais com alta temperatura e baixa fertilida-de, no município de Itaporanga, por exemplo, raramente alcançavam a metade dessa produção. Os poucos campos de Bintje, registrados para a certificação, tinham como principal fator de condenação a ocorrência da murchadeira, causada pela Ralstonia solanacearum, sendo aprovados em relação à viroses, mesmo dentro de um regulamento aparentemente severo, que não permitia mais do que 2% das plantas em um campo com sintomas de viroses totais. Contudo, embora a certificação funcionasse bem para a murchadeira, a ocorrência de discrepâncias, em relação ao PLRV, entre o certificado e a condição sanitária dos campos era mais regra que exceção.
O Instituto Agronômico de Campinas estabeleceu, ainda que de maneira informal, a produção de batata-semente com alto nível de sanidade como a principal prioridade de suas pesquisas com a batata. A Seção de Virologia, liderada pelo Dr. Ãlvaro Santos Costa, concentrou seus esforços no estudo do PL-RV, com uma equipe multidisciplinar estabelecendo claramente a sintomatologia das plantas afetadas, tanto na “infecção da estação corrente” (enrolamento primário), quanto na “contaminação do tubérculo-mãe” (enrolamento secundário), bem como em plantas selecionadas como indicadoras; a determinação das perdas, em plantas e em campos, para os dois tipos de sintomas; métodos biológicos de reconhecimento da virose durante o ciclo vegetativo e em pós-colheita, principalmente a enxertia sobre indicadoras, devido à serologia de aglutinação, que também foi estudada, ter se mostrado ineficiente dada à baixa concentração do vírus nas plantas afetadas; posteriormente se desenvolveu o método do “pré-plantio” para a pós-colheita; a dinâmica das populações dos insetos vetores em diferentes ecossistemas, com o uso de armadilhas locadas ao lado de plantas indicadoras; o controle químico da disseminação da virose, onde se estudou o efeito de inseticidas, não no controle de pulgões, pois esses não são pragas no sentido de causar danos diretos às plantas, e sim na sua capacidade de matar o inseto antes que ele conseguisse contaminar as plantas atacadas, o que na época só era possível pelo plantio dos tubérculos originados dos campos experimentais.
Antes da existência da micro-propagação, foi desenvolvido o método da “cova/pré-plantio” para a produção de material pré-basico. A Seção de Raízes e Tubérculos, chefiada pelo Dr. O. J. Book, colaborou de maneira intensa na maioria dessas áreas de atuação, e tendo a colaboração da Virologia na avaliação da resposta à virose em seus campos competição de variedades importadas, tendo também estabelecido a resistência à infecção pelo PLRV, como fator determinante de seleção. As variedades do IAC, principalmente a Itararé, Apuã e Ibitu-Açu são tão ou mais resistentes ao PLRV que qualquer outro genótipo cultivado, sendo que Aracy e Aracy Ruiva também apresentam boa resistência.
Um trabalho integrado de pesquisa não pode ser restrito aos Institutos de Pesquisa. Boa parte deste foi desenvolvido com a colaboração de extensionistas de técnicos do sistema de produção e certificação de sementes e de agricultores. Para que seus resultados pudessem ser utilizados pela agricultura, tornou-se necessária a alteração das legislações paulista, a primeira sugerida ainda em 1971, e brasileira, referentes à produção e certificação da batata-semente. Se, em São Paulo, os técnicos ligados ao setor foram permeáveis às alterações, uma vez que muitos acompanhavam os campos experimentais, foi extremamente árduo a alteração a nível nacional. O convencimento de que uma batata-semente com 15% de vírus, ponto a partir do qual ocorrem perdas mensuráveis de produtividade, dava maior garantia ao produtor, desde esse parâmetro fosse avaliado através de algum método de análise, que uma com 2%, baseado em reconhecimento de sintoma no campo, só foi conseguido após muitos anos de discussão.
Foi devido a esse trabalho que a ocorrência do vírus do enrolamento da folha é um problema secundário para o bom bataticultor brasileiro. Em uma visão mais abrangente, o estudo do enrolamento pelo Instituto Agronômico teve papel de elevada importância no estabelecimento do atual sistema de produção de batata-semente no Brasil. Esse exemplo, não tão sucinto, demonstra que um grupo multidisciplinar forte, trabalhando em contato íntimo com a agricultura, a partir, não de em uma demanda específica, normalmente pontual, mas sim na necessidade de resolver-se um problema importante; tendo como objetivo final não a produção científica per se, mas sim uma alteração substantiva e positiva no sistema de produção; financiado não por agências de desenvolvimento, embora seus recursos tenham em muito auxiliado o desenvolvimento do programa, mas sim em verbas orçamentárias. Se o setor produtivo é o principal, mas não o único, usuário dos resultados da pesquisa agrícola, ele é também um dos mantenedores da máquina estatal.
A mensuração dos resultados dessa atividade de pesquisa é fácil de ser avaliada. O Brasil tinha como único material de propagação com sanidade plenamente assegurada apenas a batata-semente básica, originada principalmente da Holanda, importando anualmente mais do que 500.000 caixas de 30 quilos. Hoje, essa importação não supera um décimo dessa quantidade. A produtividade média do Estado de São Paulo aproxima-se de 30 t.ha-1, com campos de produção atingindo duas vezes esse valor.
Essa alteração no quadro produtivo está relacionada à melhor qualidade do material de propagação utilizado, tendo essa melhoria se tornado possível a partir das atividades de pesquisa desenvolvidas pelo Instituto Agronômico.
Esse exemplo procura demonstrar que investimentos estatais na pesquisa agronômica não devem ser vistos como um dreno de recursos estatais, mas como um investimento de retorno plenamente assegurado.
Infelizmente, o caso do PLRV foi, e ainda é único dentro do sistema de pesquisa ligado à bataticultura no Brasil. Não existe, desde a seleção do local de plantio até a comercialização ou processamento do material produzido, setor algum onde possa ser considerado existirem informações definitivas para o sucesso agronômico e/ou econômico da produção. Evidentemente essa afirmação não pretende ter qualquer significado pejorativo sobre a qualidade das pesquisas desenvolvidas no Brasil, e, muito menos sobre a qualidade de seus pesquisadores.
A pesquisa brasileira em bataticultura encontra-se em situação de extrema desvantagem em relação àquela realizada em países de clima temperado; enfrenta as mesmas restrições que a própria exploração da cultura, realizada sempre em condições sub-ótimas.
A extensão de nossas regiões de produção, a diversidade edafoclimática existente entre ela e, principalmente, a inexistência de datas de plantio, com safras sucessivas dentro de cada região são, em nossa opinião, algumas das mais importantes causas dessa maior dificuldade. A maior, contudo é a extrema limitação de recursos alocados para essa finalidade.
Em próximo artigo, procuraremos estabelecer alguns pontos que nos parecem como problemas prioritá-rios para o desenvolvimento de trabalhos de pesquisa com a batata no Brasil.
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