Reflexões sobre a presença da podridão-anelar da Batata no Brasil

Carlos A. Lopes, Fitopatologista, Ph.D.,
Embrapa Hortaliças – clopes@cnph.embrapa.br


A podridão-anelar, causada pela bactéria Clavibacter michiganensis subsp. sepedonicum (Cms) é uma das doenças da batata mais temidas em todo mundo. É altamente destrutiva, podendo levar a perdas totais na produção de tubérculos. Seu agente causal dissemina-se eficientemente de um tubérculo para outro durante o plantio, a colheita e o armazenamento. Exemplificando sua importância, após a sua introdução no Canadá em 1931, menos de uma década depois a doença já se encontrava amplamente disseminada por todas as áreas de produção de batata da América do Norte. Há 10 anos, publiquei uma Carta-ao-editor na Revista Summa Phytopathologica com o questionamento “A podridãoanelar existe no Brasil?” (Lopes, C.A., Summa Phytopathologica 21:3. 1995). Essa carta foi motivada por um extenso artigo de revisão publicado na mesma revista sobre “O gênero Clavibacter no Brasil” (Summa Phytopathologica 20:83- 88.1994), em que os autores registraram a presença de Clavibacter michiganensis subsp. sepedonicum (Cms) no País. Merece destaque indicar que este registro foi baseado em um resumo publicado nos Anais do XIV Congresso Brasileiro de Fitopatologia, realizado em Porto Alegre em 1981, que relata a primeira ocorrência dessa doença no Brasil em batatal de Maria da Fé (MG).


Ao me interessar pelo assunto, principalmente ao ser informado pessoalmente pelo autor do resumo acima indicado que não houve comprovação da etiologia do patógeno por meio de provas bacteriológicas completas, decidi fazer o esclarecimento, em forma de questionamento junto à comunidade científica, com o intuito de amenizar as eventuais consequências negativas que o referido relato poderia causar à bataticultura nacional.


A partir deste esclarecimento, Cms continuou a ser considerada uma bactéria quarentenária A1, ou seja, patógeno não existente no País, mesmo estando registradas na literatura informações que aparentemente indicam o contrário. Na minha carta-ao-editor de 1995, alertei ainda para o fato de que, caso Cms seja introduzida no Brasil, pode se disseminar e encontrar ambiente favorável nas regiões batateiras de clima mais frio, e assim se somar aos muitos entraves à produção de batata. Mas, passados 10 anos do alerta, importados milhões de tubérculos de países onde a doença sabidamente ocorre, e a doença ainda não definitivamente registrada no País, a pergunta persiste: o Brasil pode ainda ser considerado livre da podridão-anelar? A resposta seguramente é SIM, mas três considerações merecem reflexão.
O patógeno nunca foi introduzido no País


Epidemiologicamente, esta possibilidade é pouco provável, pois há várias décadas temos importado grande volume de batata-semente de países onde esta doença é existente. E a podridão-anelar se caracteriza por ser altamente infecciosa e eficientemente transmitida via batata-semente. Mesmo que medidas preventivas rigorosas tenham sido tomadas na legislação brasileira (certificado de que a região produtora esteja isenta da bactéria e “tolerância zero” na inspeção de tubérculos importados) e dos países de origem para que a doença não seja veiculada nas diferentes classes de batata-semente (também tolerância zero e monitoramento de lavouras de produção de batata-semente), há sempre um risco considerável de o patógeno passar despercebido em lotes aprovados. Isso ocorre em virtude da dificuldade de se trabalhar com amostragem nem sempre representativa de lotes, além das conhecidas limitações inerentes aos testes de detecção da bactéria em campo ou em tubérculos (infecção latente). Ou seja, por mais rigorosos que sejam os procedimentos de análise ora sendo executados, sempre existe a possibilidade de tubérculos infectados escaparem à amostragem e de baixas populações bacterianas presentes nos tubérculos não serem detectadas nos testes diagnósticos ora em uso.


O patógeno foi introduzido, porém não sobrevive nas condições ambientais brasileiras Esta explicação é a preferida dos bacteriologistas brasileiros, pois existem relatos de que Cms não sobrevive no solo. Esta informação, entretanto, se baseia em estudos realizados em solos de clima temperado da América do Norte, sujeitos a temperaturas muito baixas no inverno, onde Cms não se multiplica. Além disso, raramente
permitem o desenvolvimento de plantas voluntárias (soqueira, resteva), onde a bactéria poderia se perpetuar. Considerando-se que a temperatura ideal para Cms causar doença é de 21 0C, deduz-se que esta bactéria poderia, sim, sobreviver nas principais regiões batateiras no Brasil, associada a plantas voluntárias ou mesmo restos de culturas não totalmente decompostos. Por outro lado, um aspecto a se considerado é que, diferentemente de Ralstonia solanacearum (causadora da murchadeira), a batata é a única hospedeira natural de Cms. Entretanto, o fato de Cms sobreviver de um ano para outro em superfícies secas, como caixas de colheita, “big bags”, carrocerias de caminhões, galpões de armazenamento, sacaria, máquinas de colheita etc., uma vez introduzida, poderia se manter por algum tempo até eventualmente entrar em contato com tubérculos usados para plantio, iniciando assim uma epidemia, mesmo não sendo de altas proporções. A doença tem ocorrido esporadicamente no Brasil, porém ainda não foi corretamente diagnosticada


Esta hipótese, embora menos provável, é baseada no fato de o diagnóstico da podridão anelar não ser fácil. A doença ocorre normalmente em final de ciclo e o sintoma de amarelecimento das folhas pode ser facilmente confundido com senescência natural da planta. E outros sintomas, aparentemente típicos, podem ser confundidos com os causados por outras doenças, por provocar murcha, escurecimento vascular e exsudação de pus bacteriano nos vasos de tubérculos infectados. Como normalmente parte-se do pressuposto de que a podridão-anelar não ocorre no Brasil, esses sintomas são imediatamente atribuídos à murchadeira, sem que testes diagnósticos mais precisos sejam realizados.


A Embrapa Hortaliças dispõe de antisoro específico de Cms para testes, sob consulta prévia, de amostras suspeitas. O que são amostras suspeitas de podridão-anelar Como ocorre em plantas com murchadeira, causada por Ralstonia solanacearum, a podridão-anelar é inicialmente percebida nas horas mais quentes do dia, com posterior recuperação da planta durante a noite. Entretanto, a murchadeira geralmente provoca uma murcha mais rápida iniciando-se a partir das folhas mais novas, que permanecem verdes, enquanto a podridão-anelar provoca murcha e amarelecimento das folhas mais velhas. Exsudação de pus bacteriano de coloração creme no anel vascular dos tubérculos pode ser observada nas duas doenças mas, no caso da murchadeira, a exsudação bacteriana é mais fluída e abundante. Já a podridão-anelar provoca desintegração, com consistência de queijo, do anel vascular, às vezes separando-o do restante da polpa.


Controle
O melhor controle da podridão-anelar é mantê-la fora do país. Neste sentido, existe uma portaria do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) que exige declaração que, nos campos de produção de onde procedam os tubérculos não tenha ocorrido a doença. Além disso, na tabela da tolerância para tubérculos importados para semente ou consumo, contida em portaria ministerial, a tolerância para a podridão-anelar é 0 (zero). Em caso de suspeita da ocorrência da podridão-anelar, a diagnose correta da doença deve ser efetuada em laboratórios especializados. Sendo confirmada, devese contatar imediatamente as autoridades competentes no MAPA para que as devidas providências sejam tomadas, principalmente com o isolamento do terreno infestado.


Nos Estados Unidos e Canadá, por exemplo, países que “convivem” com a doença em algumas regiões, a produção de batata-semente para exportação é feita somente em áreas livres do patógeno, empregando-se medidas de controle integrado para que riscos de contaminação com a bactéria sejam excluídos em todas as fases do sistema de produção de tubérculos. Adicionalmente, testes sorológicos e moleculares modernos são rotineiramente utilizados para indexação de amostras de tubérculos antes da exportação.


Para reflexão final, da mesma forma que a raça 3 de R. solanacearum detectada em gerânio importado do Quênia e da Guatemala provocou alerta nos EUA e no Canadá e ganhou a condição de “Agente de Destaque no Ato de Proteção ao Agroterrorismo dos EUA”, de 2002 (USDA, 2004), o Brasil deveria considerar Cms (e outros fitopatógenos de similar importância quarentenária) também um agente de agroterrorismo neste nosso país tão dependente do agronegócio.
 
 

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