Yuliet Franco Cardoza1, Valmir Duarte1, Carlos A. Lopes2
1 Agronômica – Laboratório de Diagnóstico Fitossanitário e Consultoria, CEP 91530-000, Jardim Botânico, Porto Alegre, RS, Brasil; 2 Embrapa Hortaliças – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, CEP 70351-970, Brasília, DF, Brasil.
O registro da ocorrência de Dickeya solani em batata no Brasil foi publicado, com autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no periódico científico Plant Disease em janeiro deste ano (Cardoza et al. 2017). Qual o significado da ocorrência desta praga no Brasil? O objetivo deste artigo é trazer algumas informações e consideraçõe sobre este fato.
Primeiro é entender que bactéria é esta! Na década de 1980 foi publicado um trabalho de levantamento de espécies de Erwinia em diferentes hospedeiros, incluindo batata, no Brasil (Jabuonski et al. 1986). De acordo com o que se assumiu por décadas, as estirpes foram determinadas como E. carotovora subsp. atroseptica, E. carotovora subsp. carotovora e E. chrysanthemi. Este fato levou à popularização do termo erwinia como sinônimo das doenças causadas por elas, a podridão-mole (nas ramas e tubérculos) e a canela-preta. No entanto, o gênero Erwinia foi dividido em três novos gêneros e as bactérias pectolíticas foram transferidas para o gênero Pectobacterium (P. carotovorum subsp. atrosepticum, P. carotovorum subsp. carotovorum e P. chrysanthemi) (Hauben et al. 1998) (ver Batata Show N° 27, julho de 2010). Após sete anos, as estirpes de P. chrysanthemi foram reclassificadas para um novo gênero: Dickeya, distribuídas em cinco espécies, denominadas D. chrysanthemi, D. dadantii, D. dianthicola, D. dieffenbachiae, D. paradisiaca e D. zeae (Samson et al. 2005). Destas, D. dadantii, D. dianthicola e D. zeae, todas têm registro e potencial de causar podridão-mole e canela-preta em batata (Saddler and Cahill 2016). Contudo, a partir de 2004-5, uma nova espécie, D. solani (van der Wolf et al. 2014), foi registrada em batata, inicialmente na Holanda (Toth et al. 2011), onde causou perdas de 25-30 milhões de euros nos anos seguintes, depois Bélgica, República Tcheca, Dinamarca, Finlândia, França, Geórgia, Alemanha, Grécia, Hungria, Noruega, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Reino Unido e Israel, transmitida por tubérculos-semente e causando perdas econômicas (Golanowska and Lojkowska 2016).
Apesar do registro de D. solani em maio de 2013 em Minas Gerais referir-se a ocorrência em batata cv. Taurus, oriunda de tubérculos-semente da Holanda, com sintomas típicos de canela-preta (Cardoza et al. 2017), um levantamento paralelo demonstrou sua presença em amostras coletadas em 2007-2013 (Tabela 1) (Cardoza, 2015). De 386 amostras, D. dianthicola foi detectada (qPCR, sem isolamento e confirmação) em nove amostras (2,33%) coletadas entre 2010 e 2013, sete de batata-consumo e duas de batata-semente nacional (Tabela 1): Bahia (2), Goiás (2), Minas Gerais (1), Paraná (1), Rio Grande do Sul (2) e Santa Catarina (1) (Figura 1). Dickeya solani foi detectada em 45 (11,7%) amostras, sendo quatro do Chile e 41 nacionais. Dentre as nacionais, 16 foram coletadas nos anos de 2007 a 2009 (nove batata-semente e sete consumo) e 25 foram coletadas de 2010 a 2013 (15 batata-semente e 10 consumo) (Tabela 1); Goiás (1), Minas Gerais (23), Paraná (3), Rio Grande do Sul (10), Santa Catarina (3) e São Paulo (1) (Figura 1), a maioria no período 2007-2009. Amostras de Goiás e São Paulo não foram obtidas.
Tabela 1. Número de amostras positivas para Dickeya chrysanthemi, D. dianthicola e D. solani por qPCR. Porto Alegre, RS (Cardoza 2015).
ND: não detectada
Figura 1. Estados brasileiros (número de amostras positivas) onde foram detectadas Dickeya dianthicola (A) e D. solani (B) por qPCR em batata-consumo e semente. Porto Alegre, RS (Cardoza, 2015).
Na batata-semente importada, D. solani foi detectada apenas em quatro das 52 amostras do Chile, mas não nas duas da Holanda ou nas três da Bolívia. Este fato mostra que o Brasil tem importado batata-semente com D. solani, mas não há garantia que esta praga não esteja presente no país antes de seu registro na Europa. A obtenção e caracterização de isolados de D. solani a partir de amostras de plantas com sintomas de canela-preta (Cardoza et al., 2017) e a detecção por qPCR em batata-consumo e semente de diferentes regiões produtoras do Brasil permitem afirmar que esta praga, com restrição fitossanitária, ocorre no país, pelo menos, desde 2007.
O insucesso no isolamento de estirpes de D. dianthicola impossibilitou sua caracterização e descredencia o registro de sua ocorrência no país, mas a sua detecção por qPCR indica a necessidade de novos levantamentos para confirmação de sua presença no Brasil.
Postula-se que D. solani tenha surgido na Europa a partir de plantas ornamentais e olerícolas. No momento que está em batata, a disseminação é por tubérculos-semente. Na lavoura, várias evidências mostram que se move de planta para planta; uma planta oriunda de tubérculo infectado pode servir de inóculo para as demais plantas da lavoura. Não persiste no solo; some em menos de três meses, mesmo em lavouras muito infectadas. Não sobrevive na superfície dos tubérculos ou equipamentos por mais de alguns dias. Há evidências de presença em plantas daninhas e água de irrigação, mas é muito difícil avaliar qual a importância para a epidemiologia desta praga. Certamente a orientação é não utilizar águas contaminadas para o cultivo da batata. Sabe-se também que D. solani é muito sensível aos desinfetantes e é facilmente eliminada dos equipamentos tratados. As estirpes de D. solani têm pouca variabilidade, indicando que são clones e que surgiram recentemente na batata na Europa, Reino Unido e Israel (Saddler and Cahill 2016). A detecção de D. solani em batata no Brasil a partir de 2007, apesar de coincidir aproximadamente com o aparecimento na Europa e arredores, não garante que esta bactéria já não estivesse antes no nosso país. Não houve levantamentos anteriores visando esta praga. De qualquer forma, não é uma praga cuja presença em batata-semente deva ser negligenciada no comércio nacional e muito menos na importação. Quanto ao seu manejo, as recomendações correntes para canela-preta e podridão-mole se aplicam.
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