Carlos A. Lopes (Pesquisador, Ph.D. em Fitopatologia Embrapa Hortaliças, C.Postal 218, CEP 70359-970 Brasília, DF)
Histórico
Em outubro de 2 000, a Agência Canadense de Inspeção de Alimentos (CFIA) confirmou a presença do fungo (Synchytrium endobioticum), causador da verrugose da batata, na província de Prince Edward Island (PEI) (2). Esta constatação causou grande preocupação ao governo canadense, já que PEI é a principal província produtora de batatasemente do Canadá que, por sua vez, é o segundo maior exportador de batata semente do mundo, ficando atrás apenas da Holanda. Como consequência desta constatação, o USDA provocou no mesmo mês, o fechamento da fronteira EUA/ Canadá tanto para batata-semente como para batata-consumo produzida em PEI (3). A doença havia sido encontrada no
Canadá somente nas províncias de Newfoundland e Labrador, onde áreas afetadas não são cultivadas comercialmente, permanecendo em quarentena desde 1912 (2). Synchytrium endobioticum é uma praga quarentenária (termo praga usado no conceito do Ministério da Agricultura e do Abastecimento, que inclui patógenos, insetos e plantas daninhas) em vários países, inclusive Canadá, EUA (3) e Brasil (1).
Sintomas apresentados de Verrugose
A doença
A verrugose da batata, causada por S. endobioticum, se desenvolve melhor em solos frios e úmidos, condição bastante comum em plantios de batata. Embora uma planta de batata afetada possa se apresentar menos vigorosa e com verrugas na base do caule (Figura 1), a doença é normalmente percebida somente na colheita, pois os sintomas típicos desenvolvem- se nos tubérculos e estolões. O sintoma mais típico da doença é observado quando ocorre um crescimento desordenado das células internas do tubérculo, através das gemas (olhos), formando uma ou mais verrugas que podem crescer e atingir todo o tubérculo. As verrugas inicialmente têm a cor dos tubérculos (Figura 2), escurecendo com o tempo (Figura 3) ou se tornando esverdeadas em presença de luz. Sintomas similares podem se desenvolver em estolões (7). Quando os tecidos de tubérculos infectados se desintegram, grande número de esporos com parede celular espessa são liberados no solo, onde podem permanecer viáveis por um período acima de 30 anos (7). Assim, a exclusão através de medidas quarentenárias é a melhor medida de se controlar doença provocada por patógeno com esta característica. Os sintomas da verrugose, pelo menos no início de desenvolvimento da doença, podem facilmente ser confundidos com os sintomas da sarna pulverulenta (Spongospora subterranea). Portanto, testes laboratoriais são recomendados para a confirmação do agente etiológo
Consequências
Diante da constatação da doença no Canadá, país que exporta batata-semente para o Brasil, surge a preocupação sobre a existência ou não do patógeno no país e sobre as medidas quarentenárias visando a mantê-lo fora das nossas fronteiras. Ao examinarmos o livro “Fungos em Plantas no Brasil” (6) veremos que existe o registro de S. endobioticum como existente no País. Esta informação foi extraída do “Índice de Doenças de Hortaliças no Brasil: Bactérias e Fungos” (9) que, por sua vez, foi baseada em informação do “Dictionary of Tropical American Crops and their Diseases” (10). Nas páginas 403 e 404 desta última publicação, o autor simplesmente lista alguns países da América do Sul onde o patógeno estaria distribuído: México, Bolívia, Uruguai, Peru, Equador, Chile, Brasil e Argentina. Ao mesmo tempo, indica que é um patógeno de montanha, encontrado nos Andes centrais e regiões altas do México.
Considerações
A simples menção do Brasil na lista de distribuição do patógeno não é evidência suficiente para garantir sua existência, faltando um relato formal da sua ocorrência. Ainda mais em um dicionário de doenças, em que aparentemente não foram feitas buscas de confirmação da informação. Adicionalmente, a literatura brasileira não traz nenhuma menção desta doença em diversas publicações científicas sobre batata preparadas por especialistas na cultura. De acordo com levantamento de 1998 do Centro de diagnóstico do NPPO (Holanda) (8), os países da América do Sul onde S. endobioticum foi constatado são: Bolívia, Chile, Peru, Uruguai e Ilhas Falkland, portanto com exclusão do Brasil.
Há 60 anos, a Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo demonstrava preocupação com esta doença1 (então chamada de “sarna negra” ou “galha da batata”). Um excelente folheto da série Notas Phyto-Sanitarias, publicado em 1941 por Lepage & Gonçalves (4), apresenta belíssimas ilustrações do fungo e da doença, alertando ainda em sua primeira página: “Com o intuito de impedir a entrada desta terrivel doença da batatinha no paiz, o Ministerio da Agricultura, pelo Regulamento de Defesa Sanitaria Vegetal, prohibiu a importação de tuberculos desta Solanacea, que não venham acompanhadas, alem do certificado official de sanidade, de um attestado com a declaração de que são provenientes de zona onde não existe o Synchytrium endobioticum (Scilb. Perc.)”.
Especula-se que S. endobioticum não encontra condições climáticas favoráveis para sua sobrevivência no Brasil, já que temos importado batata-semente de regiões onde a doença existe ou existiu, sem que nenhuma constatação da doença tenha sido registrada. Esta possibilidade, entretanto, não justifica o risco de abrir qualquer tolerância para este patógeno em batata semente importada. De acordo com a Instrução Normativa SDA N° 38, de 14 de outubro de 1999 (1), S. endobioticum tem se mantido como praga quarentenária A1 por várias décadas.
Literatura consultada
1. Brasil. Diário Oficial da União. Instrução Normativa DAS N° 38, de 14 de outubro de 1999. Publicada no DOU de 26/10/1999, Seção 1.
2. Canadian Food Inspection Agency. PEI Potato Wart – Update http://www.cfia-acia.agr.ca/english/plaveg/potpom/wartgalee.shtml
3. Colorado State University. Potato Wart Fungus Alert – From the National Potato Council. http://www.colostate.edu/Orgs/VegNet/vegnet/spuds.htm
4. Lepage, H.S. & Gonçalves, L.I. O Synchytrium endobioticum (Schilb.) Percival (A sarna da batatinha). Notas Phyto-sanitarias. Secretaria de Agricultura, Industria e Commercio do Estado de São Paulo. 15 p. 1941.
5. Lopes, C.A. A podridão-anelar existe no Brasil? Summa Phytopathologica 21 (4)1995
6. Mendes, M.A.S.; Silva, V.L.; Dianese, J.C.; Ferreira, M.A.S.V.; Santos, C.E.N.; Gomes Neto, E.; Urben, A.F.& Castro, C. Fungos em Plantas no Brasil. Embrapa SPI, Brasília, DF. 1998.
7. Ministry of Agriculture, Fisheries and Food. United Kingdom. Potato Wart Disease. http://www.maff.gov.uk/planth/ pestnote/pwd.htm
8. News from the Diagnostic Centre of the Dutch NPPO. Potato Wart Disease. http://agnic.org/pmp/2000/pwd0211.html
9. Reifschnneider, F.J.B.; Siqueira, C.B. & Cordeiro, C.M.T. Índice de Doenças de Hortaliças no Brasil – Bactérias e Fungos. Embrapa Hortaliças. 1983.156 p.
10. Wellman, F.L. Dictionary of Tropical American Crops and Their Diseases. Metuchen, Scarecrow. 1977. 495 p.
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